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GILBERTO DIMENSTEIN
Brasil, país de tolos?
Com o apoio do PSDB, o PFL
encabeça um movimento para aumentar o salário mínimo,
aparentando indignação com o
reajuste oferecido pelo presidente
Lula, hoje montado no slogan
"Brasil, um país de todos".
A oposição argumenta que um
salário mínimo tão desprezível,
de R$ 240, mantém o Brasil como
um país de poucos. Até pouquíssimo tempo atrás, PSDB e PFL
mostravam-se compreensivos
com as dificuldades para um reajuste maior, atentos aos gastos
com as aposentadorias. O PT fazia o habitual show, típico de
quem não tem compromissos com
a administração.
Lula defende-se com o mesmo
argumento -incômodo, mas
correto- de Fernando Henrique
Cardoso, consciente de que aumentos salariais não dependem
de vontade, mas da realidade.
Parece, na verdade, que somos
um país de tolos; e de alguns poucos espertos. A semana passada
foi generosa em exemplos.
Um documento divulgado na
quinta-feira pelo Ministério da
Fazenda afirma que o desequilíbrio financeiro da Previdência é o
maior empecilho para o desenvolvimento econômico e social do
país. Fácil entender: o buraco em
todos os níveis do setor público é
de R$ 55 bilhões em apenas um
ano. Basta lembrar que o Fome
Zero tem um orçamento previsto
de R$ 1,8 bilhão.
De duas, uma: ou a cúpula do
PT fez um curso intensivo nos
quatro últimos meses sobre os números mais elementares da realidade brasileira ou sabiam da gravidade do problema e foram levianos. Traduzindo: eram desinformados ou irresponsáveis
O partido fez parte da barragem que ajudou a evitar as modificações na legislação, que protegia não direitos, mas privilégios.
"O PT estava disputando o poder", disse, anteontem, o presidente da Câmara dos Deputados,
João Paulo Cunha, ao explicar as
motivações do partido na posição
contrária às reformas.
O presidente dizia-se espantado
com os valores das aposentadorias milionárias de servidores públicos -disparates conhecidos
publicamente pelo menos desde
que Fernando Collor de Mello falava nos marajás.
Julgamentos à parte, perdeu-se
tempo e dinheiro porque a classe
política não enfrentou com seriedade uma fonte de rombos orçamentários.
Enquanto o PFL, transformando-se em uma espécie de neo-PT,
descobria a solidariedade com o
trabalhador, Lula anunciava o
monumental aumento para o
funcionalismo -esse funcionalismo que, segundo dizia nos palanques, fora massacrado pelos
governo. O aumento médio é de
3,5%, o que não cobre nem sequer
a inflação. Novamente, a oposição mostra-se indignada com a
sorte dos servidores públicos.
Lula só está fazendo o que deve
mesmo fazer: sentar em cima dos
cofres públicos. Sabe que a generosidade para atender às pressões
corporativas pode ser uma salvação individual, mas é uma tragédia coletiva.
O PT mudou (para melhor, diga-se) de opinião tão rapidamente que às vezes comete, por cacoete, deslizes. Também na semana
passada, Lula, para criticar programas sociais anteriores, criticou o assistencialismo; justo ele
que fez do Fome Zero um exemplo de assistencialismo. Aliás,
saem pedindo ajuda da sociedade, mas, pelos bastidores, comenta-se que não haverá tempo para
se gastar a verba já disponível para combater a desnutrição.
Tira-se de um lado e cobre-se do
outro: o governo corta pesadamente o Orçamento, mas anuncia que vai abrir mão dos impostos para quem contratar jovens. A
idéia até faz sentido, mas não se
sabe quem vai pagar a conta.
Bobagem ficar remoendo muito
o passado e cobrar excesso de coerência dos políticos. Essencial é
ver como a falta de uma articulação em torno de interesses básicos
da nação tem atrapalhado (e
muito) a volta do crescimento
econômico e a aplicação de maiores investimentos sociais.
A vantagem hoje é que a oposição ficou tanto tempo no poder
que sabe das limitações orçamentárias. E o PT, por ter defendido
por tanto tempo medidas descabidas, apenas de efeito eleitoral,
dispõe, por enquanto, de cacife
moral para investir contra privilégios e conter pressões corporativistas. Seria uma tragédia se, por
tolices e mesquinharias, perdêssemos essa vantagem.
PS - A semana passada fez lembrar uma das maiores tolices sociais. A Fundação Getúlio Vargas
e o Comitê para Democratização
da Informática (CDI) divulgaram
o mais completo levantamento
sobre a exclusão digital no Brasil.
Melhoramos, mas a situação ainda é ruim. A tolice: arrecadaram-se dos usuários de telecomunicações R$ 2,1 bilhões para programas de inclusão digital. Não se
gastou um único centavo dessa
verba devido à guerra entre grupos políticos e econômicos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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