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DANUZA LEÃO
Muitas vidas
É muito difícil saber o que
se quer.
É claro que algumas coisas são
fáceis: você prefere ser bonita ou
feia? Rica ou pobre? Feliz ou infeliz? -e por aí vai. Mas saber verdadeiramente o que se quer da vida significa saber quem se é, o que
é muito difícil. A gente muda de
um dia para o outro e da água
para o vinho com mais freqüência do que gostaria de admitir.
É espantoso como se cobra coerência dos outros. "Ah, mas você
disse que me amava", diz ela;
"Pois é, e era até verdade, só que
não amo mais", responde ele. E
daí, como ficamos? Se essa declaração foi feita depois de dois uísques numa noite romântica ou
diante do padre, muda alguma
coisa? Há quem até ache que muda, só que os sentimentos é que
mudam, e pretender que eles sejam eternos -bem, nem vamos
falar disso.
Quando eu tinha uns 11, 12
anos, meu pai um dia perguntou
"Eu fico pensando que tipo de
moça você vai ser; será daquelas
que o namorado, bem cerimonioso, sobe para buscar, ou vai preferir aquele que buzina para você
descer?" Também fiquei curiosa,
sem saber o que responder. A vida
se encarregou de me mostrar que
o cerimonioso nem pensar, mas
que existem infinitas maneiras de
viver; tendo uma certa disposição
e saúde para recomeçar sempre,
uma única vida é muito pouco
para tudo o que se pode fazer.
Eu às vezes me vejo louca para
viver como uma novaiorquina,
morando num espaço mínimo,
sem área de serviço, nem tanque
nem empregada. Levando eu
mesma minha roupa para a lavanderia, comprando um pacotinho de sopa em pó e a maior parte das vezes comendo um sanduíche na rua como jantar. Nunca
mais um bolo com cobertura de
limão com açúcar (feito no tabuleiro), nunca mais um camarão
com chuchu, farinha e pimenta,
nunca mais chegar em casa e encontrar a roupa de cama trocada
e o banheiro cheirando a limpeza;
ai, é de chorar.
Aí, na manhã seguinte, penso
tudo diferente: que tal acabar
com tanta urbanidade e ir morar
no campo para sempre, ter um cachorro, uma horta, um jardinzinho? Os amigos que quiserem me
ver que peguem a estrada; eu me
tornaria mais ligada à terra, à
natureza, e talvez assim compreendendo melhor o mundo, de
onde viemos e para onde vamos.
A natureza é boa para quem
gosta, mas pode ser cruel: e as formigas, as libélulas, a alface que
não cresce não se sabe por que, o
tomate que o passarinho come
antes de amadurecer? Ah, como é
bom um supermercado, morder
uma goiaba enorme plantada
por um japonês e poder comer
uma linda manga no mês de
junho, mesmo que venha cheia
de agrotóxico.
Aí eu me lembro do que é pegar
um avião e sumir no mundo, sentar num café em Amsterdã, ler
um jornal tomando um copo de
vinho -ou 15-, comprar um sapato de salto 12 que nunca vou
usar, chegar ao hotel e morrer de
saudade dos meus filhos, dos
meus gatos, da minha casa, gastar uma fortuna no telefone, e na
manhã seguinte acordar procurando um estúdio para alugar,
fazendo contas e mais contas, tendo a ilusão de nunca mais voltar
para este país tão abagunçado e
ficar lá para sempre, fora da realidade, esquecida de quem sou, de
onde vim, sem saber para onde
vou. Detalhe: todas essas decisões,
em seu devido momento, são definitivas -claro.
Tudo isso é mais do que normal,
só que não se tem a quem contar
o que se passa em nossa cabeça e
em nosso coração. Pode acontecer
de alguém, coerente, perguntar
"Mas você não me disse ontem
que queria" sei lá o quê? Certas
coisas não dá para explicar.
Às vezes é muito bom querer cada dia uma coisa; outras vezes se
morre de inveja dos que sabem
sempre o que querem e querem
sempre a mesma coisa a vida toda.
Mas, se fosse todo mundo igual,
não ia ter a menor graça.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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