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COMPORTAMENTO
Formação de família é vista como forma de inclusão; evento pretende reunir 1,5 milhão na av. Paulista
Gays sonham com casamento tradicional
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Casais heterossexuais estão se
separando, o casamento ortodoxo está em crise, a família está dispensando as bênçãos da igreja. Na
contracorrente, pares homossexuais estão buscando tudo isso.
Querem viver juntos, formar famílias, adotar filhos e casar de papel passado. Se possível, querem
subir ao altar.
Alguns se sentem bem quando
saem pela noite à procura de parceiros. Pode-se lembrar que existem "dark rooms", onde homossexuais fazem sexo no escuro sem
saber com quem. Mas um universo cada vez maior da população
homossexual está buscando um
parceiro para dividir projetos e
cuidar um do outro quando ficarem velhinhos -o mesmo que
desejam os casais heterossexuais.
O tema da parada gay de hoje
em São Paulo é justamente "Temos família e orgulho". O evento
pretende reunir 1,5 milhão de pessoas e se tornar a maior parada do
gênero já realizada no mundo.
"Gays e famílias não são opostos", diz Reinaldo Pereira Damião, presidente da associação da
parada. A palavra família aponta
para direitos de cidadania, como
parceria civil, pensão, divisão de
bens, diz o texto da parada. A
aceitação e o respeito à homossexualidade começam na família.
Ainda há registros de filhos expulsos de casa ou humilhados na escola ou no trabalho quando revelam sua orientação sexual.
Buquê de flores
Alguns vão além da luta pela
união estável, até agora só conseguida na Justiça (leia texto nesta
página). Sonham em cuidar um
do outro, em ouvir a frase "até
que a morte os separe".
O bispo Isaias Rodrigues dos
Santos, 35, da Igreja Católica Ortodoxa, já celebrou quatro casamentos de parceiras lésbicas. Na
fila, segundo ele, estão vários outros casais. Seu projeto -que ele
diz já estar em andamento- prevê uma chácara em Atibaia, próxima a São Paulo, com toda a infra-estrutura para um casamento.
"Os casais homossexuais serão
abençoados por um rito de consagração. A festa terá bufê, lembrancinhas e mesmo o buquê de
flores, que será jogado para os
participantes."
O designer Kleber, 23, e o DJ César, 26, já se inscreveram na fila
para se casar. "Deus é um só para
todos. A fé está acima de tudo",
diz Kleber. "Não é porque alguns
não concordam com minha
orientação sexual que perderei
meus direitos", diz.
Segundo d. Rodrigues dos Santos, a chácara-capela será utilizada para batizar filhos de homossexuais e até ordenar padres de sua
igreja. "Entre os católicos, gays
são excluídos da eucaristia."
Para a maioria dos gays e lésbicas, o casamento tem um significado político, de cidadania. "O
importante é ter o direito de ter
essa opção, pois defendemos leis
iguais para todos", diz Miriam
Martins, coordenadora-geral da
ONG Um Outro Olhar, voltada
para a saúde e os direitos das lésbicas. Enquanto essa igualdade
não chega, gays e lésbicas procuram atalhos, como o reconhecimento da união estável.
"Igrejas não nos abraçam"
Pedro Almeida, da Associação
GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e
transgêneros), observa que o grupo "abraça todas as religiões".
"Elas é que não nos abraçam." Ele
considera que adaptar textos bíblicos para que enquadrem casamentos homossexuais pode soar
como algo falso ou forçado.
O antropólogo Luiz Mott, 58,
professor da Universidade Federal da Bahia, diz que pesquisas sobre o ritual do matrimônio revelam que as liturgias entre casais
do mesmo sexo antecederam casamentos heterossexuais. "A descoberta foi feita por John Boswell,
da Universidade da Califórnia",
diz Mott, que é fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB).
Ele próprio é casado com Marcelo Cerqueira, 36, em cerimônia
realizada por um pastor da Igreja
Pacifista Cristã, "numa liturgia
cristã ainda em 1985". Mas Mott
rejeita qualquer idéia de cópia do
modelo nuclear de família. "Viver
com alguém e desejar se casar
com ele, como igrejas de várias religiões já fazem, não significa macaquear o modelo heterossexual."
A psicóloga lésbica Danielle Leite Costa Cunha Melo, 27, do Rio
de Janeiro, está se especializando
em atender famílias heterossexuais que têm filhos homossexuais. "Há um preconceito grande mesmo entre os especialistas",
diz. "Entre as famílias, o assunto é
tratado com muito sofrimento e,
às vezes, até violência."
À procura do parceiro
Danielle Melo aparece no cartaz
da campanha pela diversidade
que a Associação da Parada e a
prefeitura estão lançando, especialmente para professores.
"Quando a família não lida bem
com o tema, ele vai aparecer na
escola. E muitos professores não
sabem como tratá-lo." Segundo
ela, os alunos precisam conhecer
a vida como ela é, e as mulheres
lésbicas precisam ter a coragem
de mostrar seus rostos.
Nem todos os homossexuais e
lésbicas estão procurando formar
famílias. Muitos dizem que,
quando chega a noite da sexta,
não resistem em "sair à caça".
Mas há quem queira e não está
conseguindo. O designer Gustavo
Schoner, 29, diz que todo mundo
está à procura de um parceiro,
mas nem sempre o encontra.
"Quando encontrá-lo, vou respeitá-lo muito e tratá-lo bem", diz.
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