|
Próximo Texto | Índice
ATENDIMENTO BÁSICO
População da periferia improvisa para garantir estrutura mínima; faltam 112 unidades na cidade
Posto de saúde "virtual" dribla déficit em SP
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
No Recanto dos Humildes, área
de invasão na periferia da zona
norte de São Paulo, já não há espaço para nada. As casas de cimento aparente tomaram tudo.
Mas os moradores guardam, a cadeado, uma área de pouco mais
de 300 m2 para "alguma coisa que
traga benefício à população", como explica Agenor Rosa da Silva,
58, presidente de uma das associações comunitárias do local.
A necessidade, hoje, é de um
posto de saúde de verdade para os
profissionais do PSF (Programa
Saúde da Família). O que existe é
virtual -o posto, ou UBS (Unidade Básica de Saúde), foi improvisado no prédio de uma antiga
"escola de latinha". A sede anterior era ainda pior -uma pequena casa cedida pela comunidade.
"É um sacrifício", diz Silva. "Isso aqui é só emprestado. Estava
com muitas coisas arrebentadas.
Eu mesmo soldei o portão de entrada, que estava todo solto."
Também é virtual o posto em
que trabalham médicos e enfermeiros de equipes do PSF em Heliópolis, periferia da zona sul. É
um casebre de dois cômodos próximo de um conjunto habitacional. Por iniciativa das comunidades espírita, evangélica e católica
foram cedidos locais melhores
para os profissionais trabalharem. Mas ainda há dias em que os
pacientes aguardam sob o sol enquanto os médicos fazem os atendimentos na cozinha do casebre,
relata uma funcionária.
Carência
Pelo padrão do Plano Metropolitano de Saúde, de 1983, a cidade
deveria ter hoje um posto de saúde para cada 20 mil habitantes, ou
500 unidades. Mas tem 388 -um
déficit de 112, portanto.
No Orçamento Participativo, de
cuja elaboração participam representantes da população e do
governo, são reivindicados pelo
menos 23 novos postos desde
2002. No governo de Marta Suplicy (PT), porém, nenhum posto
foi construído. O mesmo ocorreu
nas gestões de Paulo Maluf e Celso Pitta, segundo integrantes da
equipe do ex-secretário da Saúde
Eduardo Jorge (PV), que deixou o
cargo em 2002.
O consultor de comunicação de
Pitta (97-00), Antenor Braido, diz
que, em 1998, uma avaliação feita
com a Secretaria Estadual da Saúde apontou que não eram necessários mais postos, mas reformar
alguns -dez passaram por melhorias, afirma.
Já o antecessor de Pitta, Maluf,
mandou dizer pelo assessor de
imprensa Adilson Laranjeira que
"entre a recuperação dos existentes e a implantação de novos,
houve investimento em 93 unidades" -mas não precisou quantos
desses seriam novos.
Na administração Marta, a
prioridade não foi a construção
de postos, mas a municipalização
da saúde, com o desmonte do
PAS (Plano de Atendimento à
Saúde), sistema que entregou o
setor à administração de cooperativas privadas.
As UBS são a "porta de entrada"
do sistema de saúde. É para lá que,
num cenário ideal, deveriam seguir os pacientes ao primeiro sinal de que algo não vai bem. É lá,
perto de casa, que ele deveria receber orientações de cuidados
preventivos. Somente casos graves deveriam ir ao hospital.
No mundo real, em que faltam
postos e os que existem funcionam mal -em São Paulo há déficit de 900 médicos nessa rede-,
um paciente com dor de garganta,
um caso simples que poderia ser
resolvido no posto, segue direto
para a fila do pronto-socorro do
hospital. Atravanca o atendimento dos casos graves e onera o sistema -um hospital universitário,
muito mais caro, é colocado a serviço de uma pequena inflamação.
Na Santa Casa de São Paulo, no
centro da capital, a fila começa a
ser formada às 21h para um atendimento que só acontecerá no dia
seguinte, diz Antônio Carlos Forte, superintendente da unidade.
Perto de 1.500 por dia passam pelo pronto-atendimento.
O Hospital das Clínicas, na zona
oeste, agora promete para julho
uma restrição aos atendimentos
dos casos mais complexos, encaminhando os demais aos postos
de saúde dos bairros.
Um cálculo clássico dos diretores dos hospitais indica que de
80% a 90% dos casos que batem
às suas portas poderiam ser resolvidos em um posto.
Próximo Texto: Paciente espera 5 h para marcar consulta Índice
|