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NOSTALGIA PRECOCE
Internet e globalização "aceleram" a passagem do tempo e trazem saudade mais cedo a quem tem 20 e poucos anos
Jovens transformam ícones da infância em culto
LULIE MACEDO
DA REVISTA
O tempo passa para todo mundo, mas parece que no caso de Ligia Helena Nunes ele foi rápido
demais. Ela gosta de se demorar
nas lembranças da infância feliz
no Parque Continental, onde "naquela época se brincava na rua".
Num cantinho meio escondido
do quarto, os velhos brinquedos
fazem companhia aos discos dos
artistas preferidos, que ela escuta
enquanto escolhe a roupa para a
festa nostálgica que freqüenta aos
sábados. Tudo muito natural para
qualquer saudosista -se Ligia
não tivesse só 21 anos.
A estudante de comunicação faz
parte de um time de nostálgicos
cujos integrantes não chegam à
casa dos 30 anos e que, saídos há
pouco da adolescência, cultuam o
passado recente como se ele tivesse ocorrido há décadas.
Sem a bagagem de recordações
de seus avós ou pais, o túnel do
tempo dos nostálgicos precoces
acaba logo ali, nos anos 80.
De olho no retrovisor, eles correm atrás de festas que tocam
Cyndi Lauper e Menudo, colecionam brinquedos, fazem sites e listas de discussão e engordam a audiência de programas de rádio
que tocam "flashbacks".
Ligia e seus amigos batem cartão na noite Trash 80's, que toda
semana atrai cerca de 600 pessoas
ao clube Caravaggio, no centro de
São Paulo. "Quando dá 1h, a gente
precisa controlar a entrada para
não superlotar", diz um dos idealizadores do projeto, o DJ e produtor Tonyy, 40.
No penúltimo sábado, num
canto da boate, a universitária se
esbaldava em uma penteadeira
com três imitações da Barbie Face, uma cabeça de boneca em tamanho natural em que as meninas de sua geração testavam os
dotes de maquiadora. Na pista de
dança, sob cubos mágicos e mais
móbiles da Barbie, o DJ engata
uma música da hoje balzaquiana
Mara Maravilha após um hit do
Balão Mágico -de Simony, Jairzinho e Mike Biggs.
Em segundos, Ligia já está no
palco, coordenando a coreografia
de "Foi Assim", cantando exatamente como fazia a ex-apresentadora do programa "Show Maravilha", exibido pelo SBT até 1994.
A lembrança das canções e coreografias infantis está fresca na
cabeça dos saudosistas.
"Hoje tudo passa tão rápido que
tenho a sensação de que a minha
infância foi há muito tempo",
conta o estagiário de rádio e TV
Jairo Rozen, 21, fã da dupla de palhaços Atchim & Espirro, do programa "Brincando na Paulista",
da TV Gazeta, em 87.
Embora não seja a única, a música é a ponta mais explícita da
saudade precoce. "Eu aprendi a
gostar de música nos anos 80,
com New Order, The Cure. Não
me adaptei à nova onda", explica
o publicitário Júlio Popolin, 22.
Ele conta que se sentiu órfão
quando entrou na adolescência
nos anos 90 e deparou-se com a
explosão do que chama de "música eletrônica sem letra".
Para ajustar a diferença entre
tempo e gosto, o publicitário se
juntou à turma do site Autobahn
(www.anos80.com.br), que promove festas regadas a hits oitentistas no clube Salamandra, em
Pinheiros (zona oeste). Nesses encontros, a sessão nostalgia é levada tão a sério que seu idealizador,
o webmaster Marcos Vicente, 31,
busca todos os elementos possíveis para transformar a balada
num túnel do tempo.
"Já distribuí um lote de
Dip'n'Lick (pirulito que vinha
dentro de um pacote de açúcar
aromatizado, famoso na época)
que, por muita sorte, encontrei
em uma doceria. Assim como na
Trash 80's, o público que freqüenta a Authoban tem de 18 a 40 anos,
mas a parcela de pessoas entre 20
e 30 anos representa mais de 50%.
É a mesma faixa etária que engorda os índices de audiência das
rádios que tocam "flashbacks". A
Energia 97 FM criou, em 2000, o
programa "Energia Na Véia", dedicado aos hits dos anos 70, 80 e
90. Dois anos depois, os anos 70
praticamente desapareceram da
programação.
O tempo não pára
A impressão de que o tempo está mais veloz é compartilhada por
todas as faixas etárias, mas, para
os filhos dos anos 80, ela parece
ser mais intensa.
"O jovem normalmente tem
uma tendência ao "presentismo",
a viver "o hoje", mas essa geração
saiu da infância na mesma época
da popularização da internet e da
globalização. A sensação de aceleração provocada por esses fenômenos torna o passado, mesmo o
recente, obsoleto", diz Juarez
Dayrell, 49, sociólogo da Universidade Federal de Minas Gerais.
No coquetel passadista entram
ainda dois ingredientes típicos da
juventude -a vontade de contradizer o novo e a negação do establishment-, além do indefectível
medo do futuro, agora vitaminado pela pressão do desemprego e
da violência. "Aos 21, 22 anos é
quando começam a se desenhar
na cabeça do jovem as perspectivas para a vida adulta, compondo
um pacote de expectativas sobre
trabalho, carreira, família. Buscar
o passado justamente nessa fase
pode sinalizar algum problema
com a elaboração dos projetos de
futuro", analisa Ana Bahia Bock,
professora de psicologia da educação da PUC-SP.
Para o sociólogo Waldenyr Caldas, diretor da ECA e ex-professor
de sociologia da juventude da
Sorbonne (Paris), buscar o passado é saudável, pois ajuda a entender o presente. Ele acha que o saudosismo precoce é um efeito muito provável da sensação de que o
tempo atropelou a todos. "Tenho
um delírio sobre o tempo. Acho
que as 24 horas de um dia hoje
não são as mesmas de cem anos
atrás. Talvez a Terra tenha passado a rotar mais rápido", brinca.
Teorias à parte, é divertido tentar imaginar que tamanho terá,
daqui a 40 anos, o baú de lembranças desses nostálgicos.
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