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Afro-brasileiros se dizem perseguidos por evangélicos
DA REDAÇÃO
O doutor em direito pela PUC-SP Hédio Silva Jr., autor de uma
tese sobre a liberdade de crença
no país, aponta um reflexo do
preconceito religioso na paisagem urbana. "Você olha para São
Paulo e não vê templos das religiões de origem africana. Até 20
anos atrás, os terreiros tinham de
se cadastrar na Delegacia de Costumes. É uma arquitetura oculta."
Em Cidade Tiradentes, um distrito de paisagem monótona, formado por conjuntos habitacionais na borda leste da cidade, a
mãe-de-santo de candomblé Kika
de Bessem se irrita com o carro de
som de uma igreja que insiste em
passar em frente de sua casa
anunciado uma sessão de "descarrego" -ritual para livrar o
corpo de más energias. "Para que
eu iria a uma igreja evangélica para fazer esse tipo de coisa? Isso eu
sei fazer muito melhor."
Igrejas neopentecostais incorporam em suas celebrações elementos de religiões demonizadas
por elas. Mas ver a própria tradição cultural ser usada de forma
distorcida não é o que incomoda
mais. "Se um filho ou neto vai
procurar trabalho usando colar
de contas, símbolo de nossa religião, não consegue emprego. Se
está empregado e se veste de
branco na sexta-feira, para louvar
Oxalá, também perde o emprego.
Nossos rituais, por exemplo, são
proibidos nos hospitais."
São atitudes cuja origem é bem
antiga. Mas há elementos novos e
perturbadores. Líderes de religiões de origem africana, do movimento negro e da própria Igreja
Católica afirmam que setores
evangélicos difamam e demonizam as religiões afro-brasileiras.
"Dizem que, se houver algum
terreiro perto, ele vai trazer o mal.
A intolerância religiosa é a face
mais crua do racismo brasileiro",
afirma Hédio Silva Jr.
Em São Paulo, entidades do
movimento negro entregaram ao
Ministério Público Federal, na semana passada, pedido de abertura de ação civil pública contra
programas religiosos da Rede Record e da Rede Mulher, ambas
controladas pela Igreja Universal.
"Não vejo que perseguição é essa", diz o deputado Reginaldo
Germano (PFL-BA), da Igreja
Universal. "Há uma liberdade de
culto. Encontram-se despachos
nas ruas, perto das cachoeiras. O
padre Marcelo prega na TV."
Segundo Germano, a Universal
tem 23 deputados federais e deles
nunca partiu nenhuma ação para
causar impedimento a qualquer
religião. "No simples fato de praticar a fé, uma religião já ofende a
outra. A Igreja Católica adora
imagens, nós não. Isso nos ofende. Nossa maneira de pregar é
contrária ao candomblé. O sacrifício agride a gente. E não há ação
de nossa parte contra essas igrejas. Respeito o direito de a pessoa
professar a sua fé, mas não preciso respeitar os deuses dela."
Com relação ao argumento de
que a TV é uma concessão pública
e que não deveria ser utilizada para propagar um discurso intolerante, Germano diz: "Se o candomblé tivesse TV, iria mostrar o
culto deles. E nós jamais iríamos
nos levantar contra essa atitude."
Hédio Silva afirma que o discurso religioso agressivo começa a
produzir efeitos na sociedade
-cita, entre outros, casos em que
automóveis com colar de contas
(guia) pendurado no retrovisor
são alvejados por sal grosso e enxofre. "A proporção que isso pode
atingir é imprevisível." A preocupação é compartilhada por Roberto Romano, professor titular
de ética e filosofia política na Unicamp. "Pode trazer atitudes desastrosas, da qual o chute na santa
[Nossa Senhora Aparecida, em
um programa da Universal em
96] foi um prenúncio."
(ECD)
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