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GILBERTO DIMENSTEIN
Brasil vira provão de Lula
A passeata de servidores
públicos contra a reforma
previdenciária foi uma farsa -e
a prova disso está em uma pesquisa do IBGE divulgada no dia
seguinte ao protesto.
Durante a manifestação realizada na quarta-feira passada em
Brasília, os servidores atacaram o
PT, acusando-o de estar a serviço
dos poderosos e contra os direitos
dos trabalhadores. Tentaram
vender a idéia de que os servidores representam o bem na guerra
contra o mal do mercado.
Desfaz-se rapidamente essa farsa, embalada pelos radicais do
PT, com a leitura da pesquisa do
IBGE, que mostra que, sai governo, entra governo, o nível de distribuição de renda permanece
igual. No topo da pirâmide, de
acordo com a pesquisa, aparecem
-e não poderia ser diferente-
os patrões.
Mas, em segundo lugar, estão os
servidores civis e militares, beneficiados por um rendimento bem
superior à média salarial dos trabalhadores. Apenas uma minoria
deles será obrigada a descontar o
valor de suas aposentadorias caso
a reforma seja aprovada, corrigindo um óbvio absurdo: o de viver, na aposentadoria, com um
valor maior do que aquele de que
dispunha na ativa.
Além de estarem no topo da pirâmide de renda, eles se aposentam mais cedo, com o valor do salário integral, e aí já não descontam mais imposto. De resto, vivem uma estabilidade no emprego paradisíaca diante da insegurança geral. O custo desse indiscutível privilégio são os bilionários buracos no Orçamento bancados pelo contribuinte.
Na sexta-feira, soubemos que,
apesar da "paradeira" econômica, a arrecadação de impostos federais bateu um recorde. Atingiu,
em maio, R$ 22,1 bilhões. Não é
necessário ser um expert em questões fiscais para suspeitar de que
algo esteja doente em um país em
que os empresários lucram menos
e se atolam em dívidas e os trabalhadores ganham menos e perdem empregos, enquanto o governo arrecada mais.
Nunca a sociedade, onde estão
aqueles que vivem a insegurança
do desemprego e da violência,
transferiu tanto dinheiro para
seus governantes -essa é, de longe, a principal questão política
brasileira, e só não explode por
acomodação ou por ignorância
da classe média.
A combinação da escassez de
possibilidades com a abundância
de expectativas sociais deixará
cada vez mais acuados tanto os
grupos empresariais que são ajudados com facilidades fiscais e os
segmentos financeiros que ganham dinheiro fácil na crise como
o próprio governo, incansável sugador de recursos.
Novidade mesmo é que essa
descoberta venha sendo realizada, no Brasil, pela esquerda, que
começa a perceber que rombos orçamentários para manter privilégios públicos são tão graves para
o bolso do trabalhador como a taxa de juros.
Mais: o que se imagina ser um
direito nem sempre é a melhor
proteção do trabalhador. E acaba
não dando direito a nada. Assessores próximos do presidente Lula
admitem, ainda que reservadamente, que manter a inflexibilidade dos direitos trabalhistas talvez não seja o melhor caminho
para gerar empregos e enfrentar a
falta de recursos da Previdência.
Tal dúvida é reforçada pela pesquisa do IBGE: 54% da população ocupada não contribuiu para
a Previdência. Significa, no presente, menos dinheiro arrecadado e, no futuro, milhões de pessoas sem nenhuma proteção.
Muitas vezes, os sindicatos representam apenas os trabalhadores
de carteira assinada, a elite dos
trabalhadores.
Políticos e intelectuais que se
imaginam de esquerda, talvez
saudosos de bandeiras transgressoras, talvez incomodados com a
falta de charme do situacionismo,
acreditam estar defendendo os
trabalhadores. No entanto, como
mostram os números, somente
dão sustentação ideológica a privilégios da elite.
Há muita gente que já deve estar percebendo (e temendo) uma
nova regra. Na busca de recursos
para investimentos sociais, o trâmite de recursos será cada vez
mais transparente. E os embates
por recursos, cada vez mais duros.
Simplificar, dividir o mundo
entre bons e maus, faz parte do
mundo das bravatas, porém a
realidade fora dos palanques é
complexa e cheia de nuances. Lula que o diga: "As coisas são muito mais difíceis do que a gente
imaginava".
PS - Quando eu questionava
neste espaço se Lula estava adequadamente preparado para governar -não pela falta de diploma, mas por não mostrar conhecimento sobre a complexa realidade que enfrentaria-, diziam
que se tratava de preconceito. Ele
está pagando por esse despreparo:
acreditava de verdade que bastaria vontade política para que o
Brasil voltasse a crescer e a distribuir renda. Nem sequer conseguiram implementar direito o programa contra a fome, mas vamos
reconhecer que o aprendizado dele é rápido e para bem melhor.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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