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LEGISLAÇÃO
Desembargador elogia idéia de revisão da Lei de Crimes Hediondos, mas diz que só políticas públicas solucionam conflitos
"Direito penal não resolve problema social"
FERNANDA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, considera a
proposta de revisão da Lei de Crimes Hediondos -defendida na
última segunda-feira pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos- excelente, mas diz que o
direito penal não foi feito para resolver problemas sociais.
"A idéia de que o direito penal é
capaz de solucionar conflitos sociais é a maior tolice do mundo. O
direito penal não foi criado para
resolver quer problemas éticos,
quer problemas sociais."
Franco afirma que a ausência de
políticas públicas e o alto nível de
exclusão são responsáveis pela
criminalidade intolerável no país.
Para ele o crime faz parte da vida em sociedade, mas o Estado
deve administrá-lo a níveis razoáveis, o que não tem sido feito. Em
vez disso, o Estado criminaliza a
pobreza.
"Quem está num nível de miséria é um perturbador do sistema
econômico. O Estado mínimo
não está preocupado com o social", afirmou Franco.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha na sede
do Ibccrim (Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais).
Folha - Desde o início de vigência
da lei a população carcerária cresceu e a criminalidade também.
Qual a explicação, já que determina penas maiores e o regime de
cumprimento integral fechado,
sem possibilidade de progressão?
Alberto Silva Franco - Para os crimes em que a lei é mais rigorosa
(caso dos hediondos), a incidência aumentou. Subiram os homicídios, o tráfico. Não houve mudança de nada em razão da lei, a
não ser essa balbúrdia punitiva
que nasceu a partir dela.
Folha - Isso demonstra a incapacidade do Estado de lidar de frente
com seus problemas sociais?
Franco - Sem sombra de dúvidas. E o Estado faz isso com o
apoio dos meios de comunicação
social, que não estão desligados
dos grupos hegemônicos. Acontece que se dá um efeito comunicativo muito elevado à violência.
Existe violência, mas há um conceito redutor que equivale crime à
violência. Como se criminalidade
e violência fossem conceitos superpostos. E sabemos que existe
muita violência além do crime,
coisas terríveis acontecem além
do crime. Os meios de comunicação não se preocupam com esses
outros tipos de violência e criam
um clima de intranquilidade. Para resolver, o que se faz? Cria-se
uma lei penal. Não resolve, cria
outra. E assim vai num moto-contínuo.
Folha - O que rompe esse ciclo vicioso?
Franco - Políticas públicas sociais. Mas que tipo de política pública se realiza quando se tem que
manter o superávit primário para
pagar os juros da dívida externa?
O nosso problema não é penal, é
social. A idéia de que o direito penal é capaz de solucionar conflitos
sociais é a maior tolice do mundo.
O direito penal não foi criado para
resolver quer problemas éticos,
quer problemas sociais. Não é
porque se cria uma figura criminosa e se coloca a etiqueta de hediondo que desaparece o conflito
social. Ele vai permanecer. E se vê
alguns "bustos falantes", âncoras
de programa de televisão pedindo
o agravamento de penas, como se
isso resolvesse o problema da insegurança coletiva.
Folha - Como o senhor vê então a
proposta de alteração da lei de crimes hediondos?
Franco - A proposta é excelente.
Essa lei é eivada de inconstitucionalidade. Ela deu ensejo à abertura de uma perversidade no campo
penal, estabelecendo todos esses
desníveis de valorização punitiva,
com penas absolutamente desequilibradas. Dizer que alterar a lei
vai colocar um número imenso de
presos nas ruas é para pressionar
o voto dos ministros do STF (para
votar pela constitucionalidade). O
objetivo é criar o pânico e inerciar
o Judiciário. Mas se ao lado da alteração não se tentar reinventar o
Estado brasileiro nada vai mudar.
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