|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ATRAÇÃO FATAL
Classe média vê na ostentação um passaporte para o mundo dos ricos e alimenta mercado de grifes
Aspirante a elite compra luxo no crediário
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu não sou, mas preciso parecer que pertenço à classe Ah! Ah!
Ah!, a classe A-gargalhada." Assim a publicitária Cristiana Galotti, 33, explica sua fome por produtos de luxo. No caminho entre o
trabalho e a loja Daslu, na última
quinta-feira, aonde ia assistir ao
lançamento da coleção primavera-verão, ela explicou: "Na minha
atividade, as pessoas costumam
escanear você da sola do sapato
até o brinco", diz. "Se estou com a
minha [bolsa] Louis Vuitton, os
clientes me tratam melhor." Preço da bolsinha: R$ 1.200. Contracheque no fim do mês: R$ 8 mil.
Longe de pertencer à classe "A-gargalhada", sinônimo de afluência sem limites, o jeito para a publicitária foi recorrer ao expediente nacional da compra a prestação. Só no Brasil, lojas como Tiffany, Ermenegildo Zegna, Cartier
ou Louis Vuitton vendem a prazo.
O consultor Carlos Ferreirinha,
da MCF Fashion, assessoria em
negócios de luxo, calcula que 70%
das compras no segmento sejam
pagas em parcelas (no cartão de
crédito ou em vários cheques).
Para a classe média aspirante a
um lugarzinho no topo da pirâmide de classe brasileira, é a chance de entrar (e comprar) no maravilhoso mundo das butiques de
luxo, lugares que mais se parecem
com palcos iluminados, com vitrines que lembram cenários e onde, com um pouco de sorte, se esbarra em celebridades.
"Eu adoro coisa boa. Em férias
na França, fiz questão de visitar a
fábrica da Louis Vuitton, a 20 minutos de Paris", lembra a consultora de estilo Ana Lúcia Zambon,
29, entusiasta das prestações.
A francesa Claudine Nectoux,
gerente da butique Cartier explica
a fascinação exercida pelo luxo
naqueles nem tão ricos: "Ter um
objeto das marcas nobres simboliza que você pertence à elite.
Tem, por isso, um sabor de vitória
sobre suas próprias origens".
É a mesma Claudine que mostra
o colar de diamantes Tendresse
(ternura, em francês). Feito em
ouro branco, duas pérolas imensas, dez brilhantes, o Tendresse
custa R$ 300 mil ou quatro parcelas iguais de R$ 75 mil.
O preço está um pouco salgado?
Não tem problema. A sempre
simpática Claudine tem opções: o
Trinity, três anéis em ouro entrelaçados, pode ser comprado em
quatro iguais de R$ 750. "Secretárias e cabeleireiras podem adquirir, assim, o seu Cartier", explica.
Yes, nós temos "luxury"
O mercado nacional de luxo
cresceu 33% ao ano nos últimos
cinco anos, contra a média do
país, que se limitou a 1,5% ao ano
no mesmo período. A performance é extraordinária, e deve melhorar ainda mais. "Não se esqueça
que a implantação das grandes
butiques no Brasil é muito recente, não excedendo cinco ou seis
anos", explica Ferreirinha.
O jovem mercado de luxo no
Brasil, contudo, já impôs mudanças na paisagem da cidade. Em
poucas ruas dos Jardins, quase dividem paredes marcas tão estreladas quanto Armani, Cartier,
Montblanc, Versace ou Louis
Vuitton, entre outras.
Há uma década, brasileiro em
aeroporto no exterior era sinônimo de problemas de excesso de
bagagem, tantas as mercadorias
compradas nas lojas de departamento nos Estados Unidos, Itália
ou França. "A gente parecia sacoleiro", lembra o estilista paulistano Sergio Kamalakian, 22, assumidamente vaidoso e consumista. "Agora, graças a Deus, não somos mais assim."
Yes, nós temos "luxury" (luxo,
em inglês) em casa. Mas de um
modo como em nenhum outro
lugar do mundo. Podemos ir à loja e encontrar um vendedor falando português. Podemos sentar e
tomar uísque, champagne ou café
de graça, enquanto escolhemos as
peças (fora do país, essas mordomias são invulgares e o tratamento, mais distante). E ainda por cima, podemos pagar em parcelas.
Dito assim, parece fácil ser consumidor de luxo. Não é. Dono de
um automóvel Mercedes-Benz
ML, colecionador de relógios e de
sapatos, Kamalakian fala cinco
línguas, viaja três vezes por ano ao
exterior em busca de informações
(fora as duas vezes em que sai de
férias), estudou administração de
empresas, direito e relações internacionais. "Vivo pesquisando as
novidades", diz.
Para quem não tenha essa disponibilidade toda, as lojas dão
uma forcinha. "Precisamos ajudar o consumidor brasileiro a entender o que está comprando",
explica a gerente geral da Tiffany
Brasil, Laura Maria Pedroso, 37.
Explica-se: em dois diamantes
que olhos leigos consideram
iguais, escondem-se detalhes microscópicos que fazem um valer
R$ 60 mil e, outro, R$ 180 mil.
A saída? Cursos intensivos. A
Tiffany, por exemplo, organiza
palestras, cada uma para até 40
pessoas, na sede paulistana, no
bairro dos Jardins. Em Brasília,
uma palestra teve de comportar
150 alunos compenetrados em
entender os segredos da lapidação e seus resultados sobre o brilho e a cintilância do diamante.
Na boutique Ermenegildo Zegna, a clássica grife masculina italiana, o esforço de formação da
clientela não fica atrás. Pacientemente, o gerente geral Luciano
Rossi, 34, explica os segredos da
alta alfaiataria. Desde o tipo de
ovelha de que se extrai a lã, até como usar os costumes feitos sob
medida na matriz européia.
"Aquilo que o cliente europeu
aprendeu ao longo de séculos de
convívio com as marcas de luxo, o
brasileiro está tendo de aprender
rápido, para consumir bem."
"Olha, há anos eu consulto regularmente o site www.e-luxury.com", aconselha a consultora de estilo Ana Lúcia Zambon.
"Lá tem tudo o que importa no
mundo do alto luxo. Também sou
uma consumidora voraz de revistas importadas", confessa. "Eu
odeio ostentar a marca, mas adoro sinalizar que sou uma pessoa
superbem-informada", diz Ana
Lúcia, a bordo de um imenso par
de óculos Versace. Caro? Sim,
mas um sonho se realizou. Preço:
R$ 1.500, em três vezes no cartão.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Psicanalista vê um novo tipo de luxo Índice
|