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GILBERTO DIMENSTEIN
Para entender os CEUs e não ser enganado pelos marqueteiros
A sucessão municipal não
está ajudando a esclarecer o
significado dos CEUs (Centros
Educacionais Unificados). Embora eles sejam um dos tópicos centrais da eleição paulistana, nem a
prefeita Marta Suplicy nem seus
opositores conseguem explicar ou
criticar adequadamente os chamados "escolões".
A oposição manipula quando
compara o custo de uma escola
normal com o de um CEU. Não
há termos de comparação, e os
críticos da experiência deveriam
saber disso. Um CEU é, além de
sala de aula, um complexo comunitário e cultural, com piscina,
teatro, telecentro etc. Daí custar
mais: R$ 17 milhões para construir cada um e R$ 500 mil mensais para mantê-lo funcionando.
A comunidade recebe também
atividades esportivas e culturais.
Tal manipulação só é possível,
porém, graças à outra manipulação: a manipulação da prefeitura.
Na propaganda oficial, os CEUs
são apresentados como uma "revolução educacional". Errado: o
menos importante da experiência
é ser uma escola. Explico melhor.
Os 21 "escolões" atendem a menos de 5% dos estudantes municipais, ou seja, são 50 mil crianças
em meio a 1 milhão de alunos das
demais escolas.
Se usarmos apenas o critério
educacional, há mais argumentos
para atacar do que para defender
a idéia. Afinal, não foram ainda
desativadas as escolas de lata e,
pior ainda, calcula-se em 170 mil
o número de crianças de quatro a
seis anos fora das salas de aula.
Nas escolas de lata, há 50 mil
alunos, exatamente o mesmo número de estudantes dos CEUs.
Desse ponto de vista, é como alguém, ao reformar uma casa, instalar uma banheira jacuzzi enquanto a cozinha permanece
cheia de vazamentos.
Isso significa que a experiência
não presta? Não. Significa que o
argumento básico usado para defender os CEUs -a melhoria da
educação pública- é limitado. E
a razão de a prefeitura usar esse
argumento, embora não admitida, é simples: para gastar tanto
dinheiro em esporte e cultura, seria necessário usar a rubrica orçamentária da educação.
Se fossem apresentados não como escolas com centros comunitários, mas como centros comunitários com escolas, haveria mais
argumentos favoráveis do que
contrários -especialmente se a
conta fosse mais bem rateada.
É importante que, em regiões
desoladas, sejam produzidos capital social e espaços em que as
pessoas se sintam cidadãs, misturando cultura, esporte, educação
e até geração de renda -uma política decisiva quando se deseja
prevenir a violência. Tanto isso é
verdade que o PSDB, em São Paulo, adversário dos CEUs, pretende
construir na periferia centros culturais voltados para jovens.
Como centros comunitários, os
CEUs mostram impacto muitas
vezes maior do que suas salas de
aula, que abrigam apenas 5% da
população estudantil das escolas
municipais.
Resumindo: como escola, aquele
espaço é maravilhoso, enche os
olhos, emociona até, mas é um
privilégio para poucos e jamais
será universalizado numa cidade
quebrada como São Paulo; como
centro comunitário cultural e esportivo, é uma experiência valiosa que reduz a exclusão social.
Para saber se o gasto vale ou
não a pena, o eleitor que não se
impressiona com o marketing oficial nem com a manipulação
oposicionista terá de responder,
com base em suas prioridades e
valores, à seguinte questão: seria
melhor para a cidade criar centros culturais e esportivos para os
pobres ou utilizar todos os recursos para melhorar o sistema regular de ensino?
Admito que tenho dificuldade
de criticar os CEUs; há anos, nesta
Folha, defendo experiências desse
molde para o enfrentamento da
pobreza. Nenhum educador brasileiro me influenciou mais que
Anísio Teixeira, o inventor da escola-parque, onde se localiza o
DNA da experiência paulistana.
Mas, se dependesse de mim, investiria toda a verba dos CEUs na
melhoria da educação infantil.
Para começar, nenhuma criança
de quatro a seis anos deveria ficar
fora da escola. A fase de zero a seis
anos é decisiva para o desenvolvimento do ser humano.
Os CEUs, porém, já estão construídos e são um avanço para as
populações mais pobres. Pode ser
uma estratégica educacional duvidosa, mas é uma ação adequada para valorizar a periferia, dominada pela violência. Seria um
crime o dinheiro investido sair
pelo ralo em caso de derrota de
Marta Suplicy.
PS - O risco mais grave dos CEUs
é o marketing. Marta Suplicy
transformou-os em peça publicitária para se reeleger. Não há um
único educador sério capaz de ver
nisso uma "revolução educacional", como vem sendo propagandeado. Pode até gostar e até elogiar o projeto, mas falar em revolução é uma monumental impropriedade só justificada pela esperteza de quem a divulga e pela ignorância de quem a ouve. O personalismo e as eleições não permitiram que o projeto se transformasse numa marca social da
cidade -e ele acabou sendo a
marca de uma pessoa e de um
partido. Esse é o melhor caminho
para que os sucessores, como já
aconteceu com experiências similares, irresponsavelmente desprezem a obra. Daí que, até agora, a
melhor sugestão, aceita por José
Serra, veio de Luiza Erundina: fazer um consórcio dos governos federal e estadual para assumir os
CEUs, abrindo-os para programas das escolas técnicas e de ensino médio.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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