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O FIM DO CARANDIRU
Presídio foi inaugurado, em 56, com 500 vagas; chegou a ter 3.500 para abrigar 7.000 detentos
Trajetória expõe falhas de sistema no país
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sem paletó não entra. E a senhora, vai vestir uma saia. Calça
comprida não se permite", diz o
agente a familiares de presos na
entrada da Casa de Detenção. Os
parentes saem e alugam roupas
em bares vizinhos do presídio.
O diálogo foi reproduzido em
jornal da capital, em 1975, no período em que o então diretor da
unidade, o coronel Fernão Guedes, regulamentou por portaria
que roupas as visitas deveriam
usar. Duas décadas depois, era
por meio de bares ao redor do Carandiru que os presos recebiam
telefones celulares: o parente colocava o aparelho sobre o balcão,
com R$ 500 para que o balconista
guardasse a encomenda até a vinda do funcionário ""contratado".
A história da Casa de Detenção
expõe as várias falhas do sistema
prisional do país.
Uma delas é a superlotação. O
primeiro pavilhão da Detenção
funcionou com 500 presos, até
precisar ser aumentado. Sua capacidade cresceu ao longo dos
anos para as atuais 3.500 vagas.
"Cresceu como um câncer", diz o
ex-secretário nacional de Justiça
João Benedicto de Azevedo Marques, 63, que tentou desativar o
presídio no primeiro mandato do
governo Mário Covas.
Quadrilhas
Trezentos de dia e pouco mais
de 70 funcionários à noite faziam
a vigilância da cidade-prisão
quando Marques era secretário da
Administração Penitenciária em
São Paulo (95 a 99). Se todos trabalhassem ao mesmo tempo, daria uma relação de um agente para 21,6 presos. Existiram plantões
com cinco funcionários por pavilhão -um para 480 detentos.
"É impossível acreditar que se
possa ter política penal eficiente
em uma unidade com 7.000 presos em condições precárias", afirma o sociólogo Sergio Adorno,
50, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo).
Sem controle do Estado, os líderes de quadrilhas expandiram
seus poderes. Relatório da Corregedoria dos Presídios, de 86, diz
que 70% dos presos da Detenção
estavam sob o domínio de ""quadrilhas". Essas organizações, segundo o documento, estariam explorando a prostituição, provendo a venda ilegal de bebidas e desviando alimentos para vendas internas, fora outros crimes.
Menos de uma década depois, a
unidade estava tomada pelo PCC,
a facção criminosa que parou 29
prisões ao mesmo tempo em fevereiro de 2001, e que agora se diz
associada ao Comando Vermelho, do traficante Fernandinho
Beira-Mar, do Rio de Janeiro.
"Se existe inferno, o inferno é
aqui dentro. Tem de ter muito jogo de cintura para não morrer",
afirma o preso P.S.S., 30, condenado a oito anos por tráfico de
drogas, há dois na Detenção.
Do lado dos funcionários, a regra que pode salvar a vida é ""distinguir o que está certo do errado", diz Chaves, 45, há dez anos
trabalhando no temido pavilhão
9, local do massacre dos 111 detentos de outubro de 92.
"A palavra aqui conta muito. É
preciso ver bem quando alguém
comete algo de errado, antes de
tomar alguma medida", afirma.
Há na cadeia uma tradição de se
assassinar alguém e arrumar um
"laranja" para assumir a autoria.
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