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COMPORTAMENTO
Excesso de festas e obrigação de estar "bem" provocam ansiedades e aumento de procura por terapias
Fim de ano gera "estresse da felicidade"
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Fim de ano, uma semana para o
Natal, duas para o Ano Novo e,
como diz um certo anúncio, a "felicidade está no ar".
Tudo conspira para que seja assim: deve-se ficar feliz no Natal, o
Réveillon tem de ser inesquecível,
todas as festinhas precisam ser
"alegres", e a pressão da mídia, da
família, dos colegas e dos amigos
acaba acarretando, no fim de
mais um ano, um desgaste paradoxal: pessoas ficam infelizes porque se sentem na obrigação de estarem "bem", "pra cima".
Essa espécie de "estresse da felicidade" tem um termômetro concreto, que é o aumento, por esses
dias, da procura por terapias de
combate ao estresse e à depressão.
O médico acupunturista Hong
Jin Pai, 49, é um bom exemplo.
Em sua concorrida clínica nos
Jardins, em São Paulo, ele vê o
movimento aumentar 50% nesta
época. Conforme diz o médico,
nem todos os que ali comparecem
em busca do alívio propiciado pelas suas agulhas o fazem pela pressão da "felicidade obrigatória".
Mas é a imensa maioria.
"As pessoas acumulam o estresse que foram sofrendo ao longo
do ano", diz ele. "Então acontece
um desgaste adicional quando
elas se sentem obrigadas a sair de
suas rotinas para participar de
festas, encontros, dar presentes.
Têm de se relacionar com pessoas
de quem não gostam, com quem
entram em conflito. Ou seja, se
sentem obrigadas a fazer o que
não fariam em outra situação."
O resultado dessa obrigatoriedade -que deveria ser prazerosa- acaba sendo o estresse.
Além de tudo, afirma Hong,
existe uma pressão adicional, que
é a de passar por tudo, "sobreviver" a Natal e Ano Novo para, finalmente, conseguir chegar às férias. "É muito desgastante", diz.
O médico Artur Zular, 40, é especialista em medicina psicossomática e dirige o Instituto Qualidade de Vida, clínica do bairro do
Pacaembu que agrega profissionais de saúde de diversas áreas
para, como o próprio nome diz,
tornar as relações entre as pessoas
e dessas com o seu meio mais satisfatórias. Ele também identifica,
no seu dia-a-dia, evidências do
"estresse da felicidade".
"Essa expressão é muito boa,
porque define bem o que ocorre.
Os profissionais de saúde sabem
disso: cresce a procura por tratamentos porque aumenta esse estresse. E por que ele ocorre? Porque, ao longo deste mês, as pessoas estão buscando desesperadamente uma felicidade que deverá
ocorrer em determinada noite, no
Natal ou no Ano Novo."
Segundo Zular, existe, sim, uma
ansiedade no ar, já que "hoje em
dia há famílias desintegradas, casais separados, há conflitos pessoais e profissionais de diversas
ordens, e você vai ter de encarar
tudo isso dentro de uma perspectiva de que deve ser bom, ser feliz.
Acaba sofrendo por antecipação".
Para o médico, a busca da felicidade precisa, necessariamente, ir
além disso, deve ser "alguma coisa mais intensa, uma forma de
perceber a vida".
"Em princípio, você pode ou
não ser feliz, mas essa pressão social condiciona a felicidade a uma
maravilhosa noite festiva."
Na opinião do médico, existe
uma legião de excluídos, como os
que não conseguem viajar no fim
do ano ou não têm presentes para
comprar. Esse tipo de pessoa, segundo ele, faz com que o movimento do instituto cresça aproximadamente 30%.
"Há um aumento real dos casos
de pessoas que percebem que estão sendo vítimas dessa situação e
buscam ajuda. E o corpo também
sofre, com o surgimento de doenças psicossomáticas, como gastrite, colite, crises hipertensivas, angina, infarto, enxaqueca, urticária
e principalmente dor na coluna,
que simboliza bem esse peso."
Isso sem falar no "incentivo social" ao consumo de álcool nas
festas que se sucedem. "Há uma
libação alcoólica, come-se muito e
mal. Por isso dezembro acaba
sendo o pior mês do ano para
muitos pacientes."
Na opinião de Zular, deve-se
perceber como está distorcida a
questão do consumo nesta época.
"Você pode fazer a bondade ou
ter uma atitude de cidadania, com
responsabilidade social, o ano todo. E o excesso de expectativa em
relação ao Ano Novo também é
negativo. No entanto aqueles que
de alguma forma não concordam
com esses evidentes exageros se
sentem segregados, porque o
bombardeio é muito forte."
Reflexão
Na visão do psiquiatra e professor da Escola Paulista de Medicina Jair Mari, 49, como nesta época
as pessoas são instadas a refletir
sobre seu ano e a fazer balanços
de suas vidas, aqueles que tiveram
alguma experiência negativa vão
naturalmente sofrer mais.
Isso, a rigor, não seria negativo,
porque o momento poderia ser de
reflexão, de fazer um balanço pessoal intenso. "O problema é que
existe uma expectativa muito
grande da sociedade de que você
tenha se dado bem. Precisa ter feito conquistas em casa, no trabalho, ter comprado um carro novo,
feito uma poupança..."
Segundo Mari, o aumento da
depressão que decorrer desse ambiente de felicidade obrigatória
encontra dois grupos mais vulneráveis: "Os idosos, que tendem a
sofrer mais no Natal, porque se
lembram de suas perdas, sentem
a angústia da finitude, e os jovens,
que criam muitas expectativas específicas sobre o Ano Novo e acabam vítimas da ansiedade em relação ao que está por vir."
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