|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CAOS NO RIO
Para especialistas, política atual não conteve a oferta e a demanda; descriminação é vista como uma saída
Tráfico lucra com ação antidroga obsoleta
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A política de repressão ao tráfico e ao consumo de drogas no
Brasil está esgotada. Essa é a opinião praticamente unânime de 16
especialistas de diversas áreas de
conhecimento ouvidos pela Folha desde o início da semana passada sobre o assunto.
O diagnóstico comum a empresários, policiais, educadores, advogados, juízes e acadêmicos é
que o poder público não está sendo capaz de reduzir o consumo e a
oferta de drogas e a consequente
violência que isso gera.
A solução para o problema divide os especialistas. A mais citada
foi a descriminação e a legalização
das drogas. O tema é polêmico,
mas seus defensores argumentam
que, apesar de possíveis riscos de
aumento do consumo, essas duas
saídas afetariam o tráfico diretamente na venda, diminuindo o
poder econômico e, com isso, dificultando a compra de armas e a
capacidade de recrutar jovens.
A tese encontra opositores ferrenhos e até mesmo seus defensores admitem que teria que ser
mais discutida pela sociedade. A
defesa dessa solução, no entanto,
ganhou força com o argumento
de que não se trata mais de um
problema de saúde pública. O foco da discussão mudou da capacidade de redução do consumo que
essa medida traria para a eficácia
dela no combate ao narcotráfico.
A descriminação faria com que
o consumo de drogas não fosse
mais tratado como crime. A legalização é um estágio ainda mais
ousado, pois permitiria que qualquer empresa pudesse produzir e
vender drogas, com algum tipo de
controle do Estado, o que quebraria o "monopólio" dos traficantes.
"A experiência dos últimos decênios demonstrou inequivocamente que a sociedade civilizada
perdeu a guerra da droga. Proibi-la e criminalizá-la gerou a criação
de gangues perigosas, que controlam hoje favelas do Rio e de São
Paulo. O poder delas é claramente
superior à capacidade do mundo
civilizado de combatê-las", diz o
sociólogo Hélio Jaguaribe.
Para o presidente do BNDES,
Carlos Lessa, autor de um livro
sobre o Rio de Janeiro, não há outra alternativa a não ser discutir a
viabilidade da descriminação.
"As pessoas de várias camadas
sociais consideram a droga uma
transgressão legal, porém socialmente aceitável. Parece-me que a
sociedade vai caminhar para via
da descriminação. É evidente que
isso deve acontecer sobre um vasto conjunto de regras, mas como
evitar se uma quantidade enorme
de pessoas considera a droga moralmente aceitável?", indaga.
Os que discordam dessa idéia
afirmam, ao menos, que tem que
haver uma mudança no enfoque
das campanhas de conscientização. Não adiantaria mais tentar
convencer que a droga é nociva à
saúde. Seria preciso conscientizar
o usuário de que a compra de drogas é nociva à sociedade, por ser
financiadora do tráfico.
"A legalização seria a última
tentativa [para combater o tráfico", mas, até lá, teríamos que ter
estudos sobre uma série de impactos que isso poderia trazer.
Acho que ainda não chegamos a
esse estágio. Ainda é possível investir na formação de uma mentalidade não consumidora. Para
isso, o prisma mais eficaz é o da
violência. As campanhas de conscientização deveriam mostrar
mais o efeito que as drogas causam para a sociedade, e não apenas para a saúde do usuário", afirma a ex-juíza e deputada federal
Denise Frossard (PSDB-RJ).
Essa seria uma tentativa de
mostrar que as drogas, antes glamourizadas e encaradas por parte
da sociedade como um ato de
contestação, hoje têm como principal consequência a violência urbana gerada por traficantes que
foram aumentando seu poder bélico ao longo dos anos.
Essa violência gerada pelo tráfico é um problema que afeta todos
os Estados brasileiros, mas é mais
visível no Rio de Janeiro.
Na última sexta-feira, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, revelou no Rio medidas de
combate ao crime organizado.
Além de destinar verbas para reforçar a segurança nos presídios
estaduais, Bastos anunciou, junto
com a governadora do Rio, Rosinha Matheus (PSB), o início de
um processo de integração nas
atividades de inteligência, repressão e patrulhamento de órgãos federais e estaduais.
Essa será mais uma tentativa de
integração entre todos os poderes
envolvidos no combate ao crime,
outro fator citado como fundamental por quase todos os especialistas ouvidos pela Folha durante a semana passada -antes,
portanto, do anúncio do ministro.
O aumento do efetivo da Polícia
Federal, decisão divulgada também anteontem pelo ministro, foi
outra necessidade lembrada. O
controle das fronteiras, para impedir a entrada de armas e drogas
no país, é de responsabilidade
dessa polícia. É também parte da
responsabilidade dela impedir
que armamento das Forças Armadas cheguem aos traficantes.
Para o presidente do Instituto
de Segurança Pública do Rio, órgão do governo do Estado, coronel da PM Jorge da Silva, a polícia
estará sempre "enxugando gelo"
enquanto a compra de armas por
parte dos traficantes for facilitada.
Texto Anterior: Assassinato é apontado como "gravíssimo" Próximo Texto: Algumas medidas imediatas não dependem de lei Índice
|