São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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CONFINAMENTO

Guarnição que cuida de farol fica 89 dias sem pisar na cidade; pesca, bebida e mergulho são proibidos

5 marinheiros vivem sozinhos em ilha no RJ

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

A 10 km da agitação da praia de Copacabana (zona sul do Rio), cinco militares destacados para cuidar do farol da ilha Rasa vivem isolados das famílias e da cidade.
Para evitar os transtornos causados pelo confinamento e pelo convívio prolongado, a Marinha tem dado preferência a evangélicos. Da guarnição atual, três marinheiros são evangélicos e dois, da religião católica.
A seleção para o trabalho na ilha, que é voluntário, leva em conta o bom comportamento e a qualidade do serviço desenvolvido em terra e nas embarcações pelos candidatos. Considerados disciplinados, os evangélicos têm levado vantagem sobre os demais concorrentes a um posto na Rasa.
Cada marinheiro passa 89 dias no farol. Ao fim desse período, é substituído. Embora vejam o litoral de parte da região metropolitana do Rio, os integrantes da guarnição são proibidos de deixar a ilha. Mesmo se quisessem sair, não poderiam, pois a Marinha não deixa um barco com eles.
Os marinheiros costumam se apresentar como voluntários para a ilha porque, além da afinidade com o trabalho desenvolvido, recebem adicionais que podem chegar a R$ 500 por mês. A Marinha seleciona os de melhor conduta, para não interromper a estada por desavenças ou desleixo no cumprimento das tarefas.
O regime é espartano. Os marinheiros não podem pescar nem mergulhar, pois o risco de acidente nas pedras é grande. Também não praticam esportes. Bebida alcoólica é proibida. Contato com as famílias, por internet (só um computador para os cinco) ou celular, quando funciona. A ilha não tem telefone fixo.
Além dos marinheiros, moram na Rasa quatro cães, dois bodes selvagens e milhares de pássaros. O grasnar das aves é a trilha sonora de um lugar de paisagem deslumbrante. Perto, as ondas que estouram na base dos penhascos. Ao longe, a silhueta das montanhas cariocas e as praias de areia branca de Niterói e Maricá.
O chefe da guarnição é o primeiro-sargento Josival Rodrigues da Silva, 36, evangélico e motorista (no jargão naval, especialista em motores) de sinalizações náuticas. À noite, quando termina o serviço, ele lê a Bíblia, toca violão e ouve música gospel no aparelho portátil que levou para a ilha. Ao ser escolhido para trabalhar na Rasa, trancou a faculdade -ele cursa no Rio o quarto período de direito.
Silva está há dois meses na ilha. Em junho, voltará para a mulher e o filho prestes a completar dois anos de idade. É a sua primeira temporada em um farol, embora trabalhe na Marinha há 18 anos. Ele enaltece o convívio com os colegas de outras religiões.
"Nunca houve um desentendimento. Religião não é para discutir", disse ele à Folha na última quinta-feira.
O faroleiro do grupo é o terceiro-sargento Ricardo Luís de Oliveira Damasceno, 30, também evangélico. Ele esteve na Rasa de dezembro de 2001 a fevereiro de 2002. Voltou neste mês. Viu da ilha a tradicional queima de fogos na orla carioca.
"Foi um espetáculo inesquecível, maravilhoso. Pela primeira vez, os fogos ficaram em balsas no mar. Vimos as explosões de Copacabana, de Ipanema, da Barra da Tijuca, da lagoa Rodrigo de Freitas e de Niterói", lembrou ele, que mandou a mulher e os dois filhos para o Ceará enquanto cumpre a temporada na ilha.
Integram ainda a guarnição o evangélico Thiago Alves Feola, 26, cabo e eletricista, e os cabos Wallace Oliveira de Souza, 25, e Josenildo Gomes, 34, ambos católicos e encarregados dos serviços gerais, como limpeza, pintura e capinagem.
Souza, que é solteiro, dedica o tempo livre a estudar para a prova de sargento e a ver televisão. Ele está na ilha há 15 dias. "Vou reformar as [sete] casas da ilha", disse o ex-ajudante de pedreiro.
O alojamento é simples. Só duas casas são ocupadas. Cada marinheiro tem um quarto. O banheiro é coletivo. Sem os pássaros, o silêncio seria absoluto.


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