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CONFINAMENTO
Guarnição que cuida de farol fica 89 dias sem pisar na cidade; pesca, bebida e mergulho são proibidos
5 marinheiros vivem sozinhos em ilha no RJ
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
A 10 km da agitação da praia de
Copacabana (zona sul do Rio),
cinco militares destacados para
cuidar do farol da ilha Rasa vivem
isolados das famílias e da cidade.
Para evitar os transtornos causados pelo confinamento e pelo
convívio prolongado, a Marinha
tem dado preferência a evangélicos. Da guarnição atual, três marinheiros são evangélicos e dois, da
religião católica.
A seleção para o trabalho na
ilha, que é voluntário, leva em
conta o bom comportamento e a
qualidade do serviço desenvolvido em terra e nas embarcações
pelos candidatos. Considerados
disciplinados, os evangélicos têm
levado vantagem sobre os demais
concorrentes a um posto na Rasa.
Cada marinheiro passa 89 dias
no farol. Ao fim desse período, é
substituído. Embora vejam o litoral de parte da região metropolitana do Rio, os integrantes da
guarnição são proibidos de deixar
a ilha. Mesmo se quisessem sair,
não poderiam, pois a Marinha
não deixa um barco com eles.
Os marinheiros costumam se
apresentar como voluntários para
a ilha porque, além da afinidade
com o trabalho desenvolvido, recebem adicionais que podem chegar a R$ 500 por mês. A Marinha
seleciona os de melhor conduta,
para não interromper a estada
por desavenças ou desleixo no
cumprimento das tarefas.
O regime é espartano. Os marinheiros não podem pescar nem
mergulhar, pois o risco de acidente nas pedras é grande. Também
não praticam esportes. Bebida alcoólica é proibida. Contato com
as famílias, por internet (só um
computador para os cinco) ou celular, quando funciona. A ilha não
tem telefone fixo.
Além dos marinheiros, moram
na Rasa quatro cães, dois bodes
selvagens e milhares de pássaros.
O grasnar das aves é a trilha sonora de um lugar de paisagem deslumbrante. Perto, as ondas que
estouram na base dos penhascos.
Ao longe, a silhueta das montanhas cariocas e as praias de areia
branca de Niterói e Maricá.
O chefe da guarnição é o primeiro-sargento Josival Rodrigues da
Silva, 36, evangélico e motorista
(no jargão naval, especialista em
motores) de sinalizações náuticas.
À noite, quando termina o serviço, ele lê a Bíblia, toca violão e ouve música gospel no aparelho
portátil que levou para a ilha. Ao
ser escolhido para trabalhar na
Rasa, trancou a faculdade -ele
cursa no Rio o quarto período de
direito.
Silva está há dois meses na ilha.
Em junho, voltará para a mulher e
o filho prestes a completar dois
anos de idade. É a sua primeira
temporada em um farol, embora
trabalhe na Marinha há 18 anos.
Ele enaltece o convívio com os colegas de outras religiões.
"Nunca houve um desentendimento. Religião não é para discutir", disse ele à Folha na última
quinta-feira.
O faroleiro do grupo é o terceiro-sargento Ricardo Luís de Oliveira Damasceno, 30, também
evangélico. Ele esteve na Rasa de
dezembro de 2001 a fevereiro de
2002. Voltou neste mês. Viu da
ilha a tradicional queima de fogos
na orla carioca.
"Foi um espetáculo inesquecível, maravilhoso. Pela primeira
vez, os fogos ficaram em balsas no
mar. Vimos as explosões de Copacabana, de Ipanema, da Barra
da Tijuca, da lagoa Rodrigo de
Freitas e de Niterói", lembrou ele,
que mandou a mulher e os dois filhos para o Ceará enquanto cumpre a temporada na ilha.
Integram ainda a guarnição o
evangélico Thiago Alves Feola, 26,
cabo e eletricista, e os cabos Wallace Oliveira de Souza, 25, e Josenildo Gomes, 34, ambos católicos
e encarregados dos serviços gerais, como limpeza, pintura e capinagem.
Souza, que é solteiro, dedica o
tempo livre a estudar para a prova
de sargento e a ver televisão. Ele
está na ilha há 15 dias. "Vou reformar as [sete] casas da ilha", disse
o ex-ajudante de pedreiro.
O alojamento é simples. Só duas
casas são ocupadas. Cada marinheiro tem um quarto. O banheiro é coletivo. Sem os pássaros, o
silêncio seria absoluto.
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