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"A culpa é minha companheira"
DA REPORTAGEM LOCAL
Três mulheres diferentes, uma
mesma realidade: a luta para se livrar do álcool e da cocaína aproxima Dora, Ana e Apple (nomes fictícios), que concordaram em conversar com a Folha sobre a dependência e as tentativas de se livrar dela.
Dora e Ana, cerca de 35 anos,
são cariocas, de classe baixa, primeiro grau completo, com filhos.
Elas começaram a beber ainda
adolescentes, foram induzidas a
consumir cocaína pela primeira
vez, segundo dizem, por seus parceiros masculinos e vivem uma
espécie de gangorra, em que os
períodos de abstinência se contrapõem aos de consumo pesado.
Dora freqüentou associações de
Alcoólicos e Narcóticos Anônimos antes de chegar ao ambulatório do Cead, no Rio. Perdeu tudo
o que havia conseguido na vida e
chegou a se prostituir para manter a dependência. Sua última recaída foi há dois anos, desde então
está "limpa" e convicta de que não
vai mais beber nem procurar os
companheiros de pó.
Elas quer apenas arrumar um
emprego e cuidar dos filhos, mas
sabe que a recolocação de uma
dependente na sociedade de é
complicada. "Mas com a ajuda do
pessoal daqui, a coisa fica mais fácil. Posso compartilhar meu sofrimento e vou conseguir", afirma.
Ana saiu de casa em Minas Gerais quando pré-adolescente e
sempre trabalhou como vendedora em lojas de shopping no Rio.
Começou a beber cedo e, aos 17
anos, passou a consumir cocaína
para agradar o namorado. Nunca
mais parou. Ou melhor, há alguns
meses não cheira e não bebe, mas
fuma maconha, o que atrapalha o
tratamento da depressão que ela
também tem de combater.
Compulsiva, o que mais lhe traz
arrependimento é ter se drogado
durante as vezes em que ficou grávida. "Eu não sabia que era doente. Sabia que fazia uma coisa muito errada. Conhecia a repressão,
mas não o esclarecimento que tenho hoje", diz.
Apple tem pouco mais de 30
anos e é médica, o que faz com
que saiba muito bem tudo de
ruim que se passa com ela por
causa do álcool e da cocaína.
Ela não consegue ficar sem beber. Quando bebe, não consegue
ficar sem cheirar. Já chegou a consumir mais de três gramas numa
noite, acompanhada de uma garrafa de uísque. Ela praticamente
emendava uma balada após uma
ressaca, sempre à noite, porque de
dia trabalha e estuda.
"O problema é que eu gosto do
álcool, me dá uma sensação muito boa. A cocaína, ao contrário,
não me dá mais prazer nenhum."
Nem sempre foi assim: adolescente, ela via no pó branco uma
oportunidade de ingressar num
mundo de glamour e alegria. Foi o
que aconteceu, até que, num surto
de violência, puxou uma faca para
uma amiga.
Desde então, está em tratamento (incluindo internação em clínicas), o que fez com que, ainda que
não parasse completamente, diminuísse muito o consumo
-agora, menos de um grama de
coca, duas vezes por semana.
"Mas o estrago na minha vida já
está feito. Minha carreira está dez
anos atrasada. Dei muito trabalho
e preocupação para a minha família. Agora, consigo preservá-la."
O fato de ser médica, diz ela,
piora a sua situação. "A consciência, a lucidez aumenta meu sofrimento. Gostaria muito de não saber nada do que se passa. Mas
acho que só vou sair desse buraco
justamente por causa da dor da
consciência."
Embora saiba que, no caso da
dependência, a vontade é um
conceito relativo, Apple não consegue se livrar da autocrítica: "A
culpa é minha companheira constante".
(LC)
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