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DANUZA LEÃO
Fui salva por Fernando Sabino
Há muitos anos eu não via
Fernando, nem sei quantos.
Mas lembro com perfeita nitidez
quando nos conhecemos.
Minha família havia chegado
de Vitória e morávamos num edifício em Copacabana onde também moravam Fernando e Helena, recém-casados e chegados de
Belo Horizonte.
Eu tinha dez anos, era uma menina muito bonitinha e o casal
brincava comigo sempre que nos
encontrávamos no elevador.
O tempo foi passando e alguns
anos mais tarde, já mocinha, fiquei amiga de Lila Boscoli, que
começou a namorar Vinicius (de
Moraes), e aí viramos uma turma; uma turma que costumava
freqüentar um barzinho em Copacabana que se chamava Tudo
Azul. Na minha memória, foi o
primeiro piano-bar da cidade,
onde, aliás, tocava Tom Jobim
(ele tocou em quase todos), mas
um amigo com quem falei me garantiu que não, que o primeiro foi
o Maxim's. Cheguei a uma triste
conclusão: está difícil encontrar
uma pessoa com quem checar
qual foi o primeiro; os que sabiam
já se foram.
Mais anos se passaram, e eu via
Fernando raramente, sempre por
casualidade; ele continuava gentil, bem-humorado, de uma juventude mental extraordinária e
sempre dando força para qualquer coisa que eu quisesse fazer,
mesmo as mais loucas.
Ele adorava novidades: lembro
que uma vez trouxe dos Estados
Unidos uma maquininha que era
instalada ao lado do cinzeiro do
carro, com o maço de cigarros
dentro. Apertando um botão, o cigarro pulava, já aceso. Passei
anos sem ver Fernando.
A partir de 93, tive como colega
de trabalho um grande amigo dele, Wilson Figueiredo. Durante
quase dez anos nos vimos diariamente, e muitas, muitas vezes, ele
quis me reaproximar de Fernando, tentando marcar um encontro qualquer, mas eu estava numa fase em que não queria ver
ninguém, tinha medo das pessoas. Não de todas, só daquelas
que falariam comigo numa linguagem não social, que quisessem
saber de verdade como eu estava,
que procurariam verdadeiramente me ajudar. Eu tive medo,
não estava preparada para isso;
nos falamos algumas vezes por telefone, mas esse encontro nunca
aconteceu. Ele entendeu.
Fernando morreu, e sua morte
me trouxe recordações, lembranças de um tempo completamente
esquecido; do edifício Elizabeth,
onde morei, do endereço, av. Copacabana, 769, do número do
meu telefone, 37-8045. Que mistério é a memória.
Como morávamos no mesmo
edifício, freqüentávamos o mesmo trecho de praia, o Posto 4. E
minha memória foi ainda mais
longe: lembrei que mais ou menos
aos 11 anos um dia fui à praia
com meu pai, me atirei na água e
fui para além da arrebentação,
sem ter noção dos perigos do mar
de Copacabana, que é aberto.
Uma onda me levou e caí num
redomoinho; não consegui voltar,
comecei a me debater, a engolir
água, a me afogar. Juntou gente
na areia olhando e apontando
para aquela cabecinha no meio
das ondas enormes; em algum
momento, sem conseguir nadar
de volta e já sem forças para respirar, senti alguém me segurando.
Essa pessoa atravessou a arrebentação comigo pelo braço e me carregou para a praia, onde cheguei
praticamente desmaiada.
Minha vida foi salva por Fernando Sabino.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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