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VIOLÊNCIA
Morte do casal Richthofen tem características que se tornaram padrão na maioria dos casos ocorridos nos centros urbanos
Crime do Brooklin se enquadra como "homicídio moderno"
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O assassinato do casal Richthofen choca e causa comoção por
causa da presença da filha Suzane,
que confessou ter participado do
planejamento do crime, praticado
num bairro nobre, com mais dois
jovens de classe média. Mas os demais detalhes que compõe essa
tragédia urbana fazem com que
ela possa ser considerada um assassinato banal, que ocorre dentro dos padrões do que seria hoje
um "homicídio moderno".
A Folha reuniu e confrontou
dados da Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo, do Ministério da Justiça e, principalmente,
informações colhidas por três
pesquisadores acadêmicos independentes, que trabalham com o
tema.
Conclusão possível: o crime do
Brooklin é quase um homicídio
padrão, contém elementos comuns à imensa maioria dos delitos dessa natureza cometidos em
São Paulo, sobretudo na periferia
da cidade, longe da atenção da
mídia.
Eis porque o assassinato do casal pode ser considerado, estatisticamente, um delito típico:
1 - O crime foi premeditado.
2 - Os autores têm idades entre
18 e 27 anos.
3 - As vítimas e os criminosos se
conheciam.
4 - Ocorreu na área em que as
vítimas moravam.
5 - Foi decorrência da decisão
dos autores de "resolver um problema" que as vítimas estariam
causando a eles.
6 - Assim como a maior parte
dos crimes em que pessoas da
mesma família estão envolvidas,
não houve utilização de arma de
fogo.
7 - O assassinato foi cometido
por homens.
Os pesquisadores ouvidos são
Bruno Paes Manso, 31, jornalista e
pesquisador do Instituto Fernand
Braudel que elabora tese de mestrado em política na USP com o
tema "O Homicida na Virada do
Século 21"; Renato Sérgio de Lima, 32, sociólogo, pesquisador da
Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) que
acaba de lançar em livro sua tese
de mestrado "Criminalidade Urbana" (Editora Sicureza, 101
págs), sobre homicídios na cidade
de São Paulo; e o cientista político
e pesquisador da ONU Guaracy
Mingardi, atual secretário de Segurança Pública da Guarulhos,
município da Grande SP.
Depois de colher o depoimento
de 12 assassinos e de analisar mais
de 800 inquéritos policiais de homicídios, Paes Manso chegou a algumas conclusões identificáveis
no caso Richthofen. "Mais de 70%
das mortes foram premeditadas,
os autores eram homens, jovens e
mataram para remover um obstáculo de suas vidas. Hoje, o homicídio é sobretudo uma forma de
resolver um problema."
Para o pesquisador, "nas teias
de relacionamento em que a violência aumenta a cada dia, a morte começa a fazer parte das regras
do jogo. Nesse contexto, o indivíduo que mata não é mais considerado anormal."
Na sua avaliação, o caso Richthofen é clássico: "Os autores queriam alguma coisa e havia uma
autoridade (os pais) que não os
deixava conseguir. Para essa faixa
de idade de homens que têm certos tipos de relacionamento, qual
é a alternativa? Matar. Numa cidade como São Paulo, que tem mais
de 5.000 homicídios por ano, esse
tipo de valor se tornou normal.
Apesar de haver uma garota desnorteada ou louca envolvida, esse
é um crime do século 21."
Guaracy Mingardi, que já desenvolveu diversos estudos sobre
criminalidade, entre eles um em
que analisou dados de 1.200 homicídios, acrescenta alguns detalhes reveladores: "88% dos crimes
desse tipo ocorrem na mesma
área em que as pessoas vivem, ou
seja, elas são vizinhas e eventualmente se conhecem. Nos crimes
em que estão envolvidos parentes, normalmente a carga de violência é maior. Não se mata com
uma facada, mas com 20."
Segundo Mingardi, a morte do
casal Richthofen choca por causa
da presença da filha, "mas se enquadra no padrão". Segundo informações do pesquisador, tem
conexão com uma tendência
identificada também nos EUA.
Estudo realizado pelo FBI, a polícia federal americana, cruzou os
dados de assassinatos cometidos
entre 1991 e 1998 nos quais os autores tinham entre 18 e 24 anos e
as vítimas, mais de 50 anos (semelhante ao caso brasileiro). Constatou que, em metade dos casos, assassino e assassinado se conheciam. Desses casos, metade era
composta de parentes.
"Isso significa que um em cada
cinco assassinatos envolve familiares, ou seja, a vítima será morta
por um parente", diz Mingardi.
Outro aspecto apontado por
Mingardi, e referendado por Renato Sérgio de Lima, é o seguinte:
sempre que os crimes envolvem
pessoas da família ou conhecidos,
a utilização de arma de fogo é menor do que nos demais casos.
Mas Lima, que em seu trabalho
acadêmico analisou informações
de 1.300 processos sobre assassinatos, não concorda que a premeditação seja uma tônica, porque
deve-se levar em conta as circunstâncias do conflito familiar.
"Há até um delegado que diz
que não se deve discutir na cozinha, para não se correr o risco de
apanhar uma faca. Porém, não há
dúvida de que o homicídio hoje
ocorre como forma de resolver
um problema prático e que a
morte passou a ser uma linguagem corrente para a qual não existe impedimento moral."
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