|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RIO SOB TENSÃO
Especialistas apontam crescente instalação de equipamentos públicos como exemplo de presença em favelas
Ausência do poder público é questionada
DA SUCURSAL DO RIO
A antiga tese de que o tráfico se
estabeleceu nas favelas do Rio de
Janeiro em conseqüência de uma
ausência do poder público (governos federal, estadual e municipal) é hoje questionada por especialistas. A crescente instalação,
nos últimos anos, de escolas, creches, postos de saúde e implantação de redes de água e luz não estaria mais justificando essa idéia,
consolidada nos anos 80 e 90.
Mas o questionamento sobre a
validade da tese não sensibiliza a
socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, do Rio.
"Uma coisa é dizer que há um
cenário um pouco diferente. Outra coisa é dizer que a tese antiga
está ultrapassada. Eu acho que
não está ultrapassada, não. O tráfico continua a ter força nessas comunidades justamente por causa
da ausência do poder público, da
ausência da polícia."
A socióloga afirma que "o que
está acontecendo na Rocinha
acontece cotidianamente em pelo
menos 50 das 600 favelas do Rio".
"É errado criar uma escola e um
postinho de saúde e dizer que o
Estado está presente. Não está. O
Estado tem que estar presente
dando segurança à essa população [que habita as favelas]."
O prefeito Cesar Maia (PFL) discorda. Para ele, a tese de que, sem
o Estado presente, o tráfico se estabeleceu "é boba e é discriminatória com os pobres".
"Se fosse assim, o que seria da
Índia e do Piauí? Seria tiroteio para todo lado. Lembro que o IDH
[Índice de Desenvolvimento Humano] da Rocinha, morro do Alemão [zona norte], Jacarezinho
[favela na zona norte] e Cidade de
Deus [zona oeste] -todos acima
de 0,7- são maiores que o IDH
de todos os Estados do Nordeste,
da Bahia ao Maranhão", afirma.
Na Rocinha, por exemplo, a
ação dos governos é marcada pela
presença de rede de água e luz e
pela existência de quatro escolas
públicas, oito creches, um posto
de saúde e outro para tratamento
de tuberculose, além de dois destacamentos da Polícia Militar.
Responsabilidade
A inspetora Marina Maggessi,
coordenadora da Cinpol (Coordenadoria de Inteligência), órgão
da Polícia Civil, diz que não acha o
Estado a única instituição responsável pelo quadro de violência que
caracteriza as favelas do Rio. Para
ela, o Estado falhou, mas está
atuando em áreas carentes.
"Houve um grande avanço por
parte dos governos, das ONGs
que trabalham nas favelas, das religiões católica e evangélicas.
Houve [nas favelas] uma grande
evolução cultural", disse ela, que
defende o estímulo à prática esportiva como forma de tirar a juventude da criminalidade.
Censo realizado em 2000 no
complexo de favelas da Maré (zona norte) pela ONG (organização
não-governamental) Ceasm
(Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré) indica que, nas 16
comunidades da área, funcionam
14 escolas municipais, três do governo estadual, oito postos de
saúde, um centro municipal de
saúde e nove creches.
Ex-morador da Maré, o geógrafo Jaílson Souza e Silva, professor
da UFF (Universidade Federal
Fluminense), não partilha de nenhuma das duas teses. Segundo
ele, existe "uma forma diferenciada de inserção do Estado dentro
das favelas". Ele está atuante em
algumas áreas, mesmo que de forma indevida, e ausente em outras.
"A forma como o Estado intervém na favela é diferente da forma
que intervém no asfalto. A polícia
não avançou em nada. Continua
tratando o morador da favela como suspeito, as casas como espaços que podem ser violados."
Ex-gerente do projeto Favela-Bairro e assessora especial do prefeito, a urbanista Lu Petersen
aponta a existência de uma ligação entre a ausência do Estado
nas favelas e a ascensão do tráfico,
mas que, pelo menos a prefeitura,
nos últimos dez anos, tem investido nas áreas pobres.
Segundo ela, o que falta nas favelas é "uma política de segurança
de longo prazo", que dure mais
do que o período de um governo.
(SERGIO TORRES)
Texto Anterior: Preso no Rio cúmplice do traficante Dudu Próximo Texto: Outro lado: Policiais dizem que tráfico não tem área fixa Índice
|