São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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RIO SOB TENSÃO

Especialistas apontam crescente instalação de equipamentos públicos como exemplo de presença em favelas

Ausência do poder público é questionada

DA SUCURSAL DO RIO

A antiga tese de que o tráfico se estabeleceu nas favelas do Rio de Janeiro em conseqüência de uma ausência do poder público (governos federal, estadual e municipal) é hoje questionada por especialistas. A crescente instalação, nos últimos anos, de escolas, creches, postos de saúde e implantação de redes de água e luz não estaria mais justificando essa idéia, consolidada nos anos 80 e 90.
Mas o questionamento sobre a validade da tese não sensibiliza a socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, do Rio.
"Uma coisa é dizer que há um cenário um pouco diferente. Outra coisa é dizer que a tese antiga está ultrapassada. Eu acho que não está ultrapassada, não. O tráfico continua a ter força nessas comunidades justamente por causa da ausência do poder público, da ausência da polícia."
A socióloga afirma que "o que está acontecendo na Rocinha acontece cotidianamente em pelo menos 50 das 600 favelas do Rio".
"É errado criar uma escola e um postinho de saúde e dizer que o Estado está presente. Não está. O Estado tem que estar presente dando segurança à essa população [que habita as favelas]."
O prefeito Cesar Maia (PFL) discorda. Para ele, a tese de que, sem o Estado presente, o tráfico se estabeleceu "é boba e é discriminatória com os pobres".
"Se fosse assim, o que seria da Índia e do Piauí? Seria tiroteio para todo lado. Lembro que o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da Rocinha, morro do Alemão [zona norte], Jacarezinho [favela na zona norte] e Cidade de Deus [zona oeste] -todos acima de 0,7- são maiores que o IDH de todos os Estados do Nordeste, da Bahia ao Maranhão", afirma.
Na Rocinha, por exemplo, a ação dos governos é marcada pela presença de rede de água e luz e pela existência de quatro escolas públicas, oito creches, um posto de saúde e outro para tratamento de tuberculose, além de dois destacamentos da Polícia Militar.

Responsabilidade
A inspetora Marina Maggessi, coordenadora da Cinpol (Coordenadoria de Inteligência), órgão da Polícia Civil, diz que não acha o Estado a única instituição responsável pelo quadro de violência que caracteriza as favelas do Rio. Para ela, o Estado falhou, mas está atuando em áreas carentes.
"Houve um grande avanço por parte dos governos, das ONGs que trabalham nas favelas, das religiões católica e evangélicas. Houve [nas favelas] uma grande evolução cultural", disse ela, que defende o estímulo à prática esportiva como forma de tirar a juventude da criminalidade.
Censo realizado em 2000 no complexo de favelas da Maré (zona norte) pela ONG (organização não-governamental) Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré) indica que, nas 16 comunidades da área, funcionam 14 escolas municipais, três do governo estadual, oito postos de saúde, um centro municipal de saúde e nove creches.
Ex-morador da Maré, o geógrafo Jaílson Souza e Silva, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), não partilha de nenhuma das duas teses. Segundo ele, existe "uma forma diferenciada de inserção do Estado dentro das favelas". Ele está atuante em algumas áreas, mesmo que de forma indevida, e ausente em outras.
"A forma como o Estado intervém na favela é diferente da forma que intervém no asfalto. A polícia não avançou em nada. Continua tratando o morador da favela como suspeito, as casas como espaços que podem ser violados."
Ex-gerente do projeto Favela-Bairro e assessora especial do prefeito, a urbanista Lu Petersen aponta a existência de uma ligação entre a ausência do Estado nas favelas e a ascensão do tráfico, mas que, pelo menos a prefeitura, nos últimos dez anos, tem investido nas áreas pobres.
Segundo ela, o que falta nas favelas é "uma política de segurança de longo prazo", que dure mais do que o período de um governo. (SERGIO TORRES)


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