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REFORMA PSIQUIÁTRICA
Número de internações cai no país, mas especialistas reclamam da falta da verba
Devagar, paciente deixa manicômios
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Lentamente, os pacientes mentais estão saindo dos hospitais e
voltando para suas casas ou "repúblicas". Em 2001, havia 56.755
leitos psiquiátricos. Hoje, são
54.946. Em dois anos, foram fechados 1.809 leitos.
No ano passado, foram 280.504
internações -bem abaixo das
394.889 registradas em 2000.
Em 1977, havia 176 serviços alternativos, hoje são 382. Só no Estado de São Paulo, o número de
hospitais psiquiátricos caiu de 80
para 60 em oito anos.
São dados lembrados na Semana de Luta Antimanicomial, cujo
dia principal se comemora hoje.
Mas são números ainda muito tímidos para um movimento que
no Brasil já dura quase 20 anos. A
começar pelo dinheiro investido:
todo o gasto do SUS com saúde
mental no ano passado foi de R$
590 milhões, o equivalente a 2,3%
dos investimentos do Sistema
Único de Saúde.
Pelas estimativas internacionais, 3% da população necessita
de cuidados contínuos e outros
12% de atendimento eventual
-até três consultas anuais. No
Brasil, há 5 milhões no primeiro
grupo e 20 milhões no segundo.
"Precisaríamos, no mínimo, do
dobro dos recursos", diz o psiquiatra Pedro Gabriel Delgado, da
área de saúde mental do Ministério da Saúde. Os cerca de 55 mil
leitos e 382 serviços extra-hospitalares -além dos 42 para álcool
e drogas- acolhem no máximo 1
milhão de doentes. Os outros 4
milhões estão trancados em suas
casas. São vistos perambulando
pelas ruas ou, quando têm um
surto mais grave, são levados para
as emergências dos hospitais
-ou para as delegacias.
Faltam dinheiro e equilíbrio nas
ações. Do total de gastos em saúde
mental hoje, 78,67% vão para internações. O que resta vai para os
serviços alternativos, especialmente os Caps, Centros de Atenção Psicossocial. Neles, o paciente
é atendido e passa o dia em atividades. "Ainda há uma grande distorção, mas a tendência é de mudança no modelo", diz Delgado.
De fato, já foi muito pior. Em
1997, do total de gastos, 93% ficavam com os hospitais. Só 7% iam
para os 176 serviços instalados. A
mudança começou a ocorrer em
2001, quando foi aprovada a lei da
reforma psiquiátrica, uma peça
que começou "revolucionária" e
terminou tímida depois de tramitar dez anos pelo Congresso.
Ainda hoje, dos 244 hospitais do
país, 29 têm mais de 400 leitos
-uma multidão de 17.000 pacientes. Estima-se que 70% dos
internados sejam pacientes crônicos, viraram moradores dos hospitais, não têm mais para onde ir.
Aqui começam as notícias promissoras. Um movimento iniciado há pelo menos cinco anos vem
lentamente transferindo pacientes internados para "residências
terapêuticas" ou "lares abrigados", espécies de "repúblicas assistidas" em casas alugadas nas cidades. Os cerca de R$ 750 gastos
por internação-mês caíram para
menos de R$ 400.
O ministério reclassificou os
hospitais e está pagando diárias
de R$ 24 a R$ 31, beneficiando
aqueles com menos de 80 leitos.
Na próxima semana, o governo
envia ao Congresso uma proposta
criando o "Projeto de Volta para
Casa", dando um salário mínimo
para pacientes que podem ser
"desinternados". Na primeira fase, 2.000 serão beneficiados. "O
governo quer a inclusão, mas o fechamento dos leitos precisa ser
planejado", diz Delgado.
"Os serviços alternativos ainda
são insuficientes, mas os recursos
estão gradativamente se deslocando para os centros de atenção
psicossocial", diz o psiquiatra Jonas Melman, coordenador da Associação Franco Basaglia, de São
Paulo, que desenvolve projetos no
campo da saúde mental.
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