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REFORMA PSIQUIÁTRICA
Internado aos 17 por fumar maconha, Austregésilo Carrano terá de pagar R$ 60 mil a advogados de hospitais
Inspirador de "Bicho de 7 Cabeças" perde ação
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A história do rapaz de 17 anos
que, por ter fumado maconha, foi
internado à força pelo pai em manicômios levou 450 mil pessoas
ao cinema. O garoto torturado
por médicos e enfermeiros rendeu prêmio ao ator Rodrigo Santoro. Se tivesse continuação, o filme de 2001 teria de ser uma história de tribunais, com médicos e
advogados nos papéis principais.
A batalha jurídica entre hospitais e médicos e o escritor Austregésilo Carrano, 42, cuja história
inspirou o filme "Bicho de Sete
Cabeças", de Laís Bodanzky, foi o
que pautou os eventos do movimento da luta antimanicomial na
última semana.
Em 17 de março deste ano, despacho do juiz Marco Antônio de
Moraes Leite, do Tribunal de Alçada do Paraná, determinou que
Carrano pague R$ 60 mil em honorários aos advogados do Hospital Espírita de Psiquiatria Bom
Retiro e do Hospital San Julian,
onde esteve internado, e ao defensor do espólio do psiquiatra Alô
Ticoulat Guimarães, ex-responsável pelo Bom Retiro.
No próximo dia 23, acontece em
Curitiba a primeira audiência de
instrução da "ação inibitória", em
que o hospital Bom Retiro, a Federação Espírita do Paraná e o
psiquiatra Alexandre Sech, atual
diretor do hospital, pedem que a
Justiça proíba Carrano de mencionar esses nomes em palestras e
entrevistas sobre o que viveu na
instituição, sob ameaça de pagamento de multa diária.
As vendas do primeiro livro de
Carrano, "Canto dos Malditos",
que levou Bodanzky a fazer o filme e cujos direitos de publicação
foram comprados pela Editora
Rocco, continuam proibidas pela
Justiça do Paraná.
Sem dinheiro
Passado o sucesso do filme, que
levou ao menos 40 prêmios, Carrano diz ter ganho R$ 18,6 mil -a
maior parte, segundo ele, gasta
com advogados. Como o livro,
sua principal fonte de renda, está
proibido, ele vive na casa da mãe,
na periferia de Curitiba.
"Não sou eu que estou sendo
julgado, mas toda pessoa que busca a liberdade de expressão. Coloquei toda a emoção. Escrevi para
descrever um sistema cruel, em
que os médicos são coniventes",
disse Carrano na semana passada,
quando foi convidado de vários
eventos em São Paulo.
"Estou anestesiado com algo tão
vil. É a mesma coisa que alguém
ser estuprado e não poder dizer o
nome de quem estuprou", afirma.
Em 1998 Carrano entrou com
ação indenizatória na Justiça do
Paraná para que os dois hospitais,
a federação e os dois psiquiatras
lhe pagassem R$ 10 milhões de indenização em razão de supostos
erros de diagnósticos médicos
que o levaram às internações.
Pedido prescrito
A Justiça do Paraná considerou
que o pedido de Carrano estaria
prescrito, usando o argumento
jurídico de que direitos pessoais
não podem ser reivindicados passados mais de 20 anos dos fatos
que motivam a cobrança. Também entendeu que o prazo deveria ser contado a partir de 1976,
quando o pai de Carrano o emancipou. Os honorários de R$ 60 mil
são cobrados porque Carrano
perdeu a ação.
A defesa do escritor argumenta
que, como Carrano estava internado, foi emancipado à sua revelia, num período em que estava
sob guarda das instituições e não
poderia ser considerado capaz.
Defende ainda que o prazo deveria ser contado a partir do momento em que Carrano se estabilizou e conseguiu publicar o livro,
em 1989.
"O que mais nos surpreendeu é
que ele tenha sido internado em
um hospital de adultos sendo que
por lei, desde 1934, menores com
indicação de tratamento nessa
área psíquica só podem ser internados em estabelecimentos a eles
destinados", afirma a advogada
Suzana Angélica Paim Figueiredo, que, com o advogado e deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), assumiu o caso recentemente.
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