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ADMINISTRAÇÃO
Para auditores do tribunal de contas, total fictício de impostos a receber fez patrimônio da Prefeitura de SP superar débito
Técnicos apontam maquiagem em balanço
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
A Prefeitura de São Paulo inflou
em pelo menos R$ 10,495 milhões
o montante que tem a receber por
multas e impostos atrasados, aumentando artificialmente seu patrimônio. Isso fez os balanços
anuais da administração petista
indicarem que a prefeitura tem
mais bens do que dívidas e obrigações. A realidade, no entanto, é
exatamente oposta a essa.
Pelos balanços oficiais se poderia afirmar que, se vendesse tudo
o que tem -imóveis, ações, equipamentos etc.- e juntasse toda a
sua receita, a prefeitura conseguiria pagar suas dívidas com folga,
ficando em caixa R$ 7,67 bilhões
em 31 de dezembro de 2003.
Essa sobra, porém, é garantida
exatamente pelo aumento artificial da dívida ativa -montante
que, apesar do nome, define o citado conjunto de créditos a receber pelos tributos atrasados.
Apesar de o Tribunal de Contas
do Município (TCM) ter aprovado as contas da prefeita Marta Suplicy (PT) referentes aos anos de
2002 e 2003, a indicação do inchaço da dívida ativa da cidade consta dos relatórios produzidos pelos
auditores do tribunal.
Os técnicos apontam que a prefeitura maquiou o balanço porque corrigiu a dívida por um índice não especificado e superior ao
previsto em lei -que é o IPCA
(Índice de Preços ao Consumidor
Amplo) mais 1% de juros ao mês.
"As conseqüências desse lançamento considerado irregular foram aumento irreal do ativo permanente; ativo real líquido fictício
e superávit patrimonial fictício
[falsa indicação de que os bens
são maiores do que as dívidas]",
escrevem os auditores.
"Tal fato vem afetando significativamente o balanço patrimonial da prefeitura, fazendo registrar um ativo real líquido, quando, em verdade, deveria figurar
um passivo real descoberto de bilhões de reais", completam.
Na semana passada, a Folha falou com 20 especialistas em finanças públicas. Todos disseram que,
pelos dados apresentados pela reportagem, há indícios de irregularidade nos balanços da prefeitura.
Na ponta do lápis
A Folha refez as atualizações
monetárias incidentes sobre a dívida ativa desde 31 de dezembro
de 2001, incorporando às contas
os novos valores devidos e delas
excluindo o que foi pago ou cancelado, segundo dados oficiais.
No cenário mais favorável à gestão do PT -que elevou ao máximo possível o valor final da dívida-, chegou-se a R$ 13,933 bilhões em 31 de dezembro de 2003.
No balanço da prefeitura, o dado
é de R$ 24,428 bilhões nessa data.
Os cálculos da Folha foram corroborados por duas empresas de
auditoria e por um contador.
"Aplicado o índice legal surge
uma grande divergência em relação ao dado oficial. Se não há erro,
pelo menos falta clareza na informação divulgada", afirma o contador Gildo Freire, auditor de
profissão e membro do conselho
fiscal do Conselho Regional de
Contabilidade de São Paulo.
Quando os dados da dívida ativa são confrontados com o conjunto de débitos e obrigações da
prefeitura, o aumento artificial de
seu valor leva a uma inversão total
do saldo patrimonial da cidade
-relação entre todos os bens e
todas as pendências do governo.
Pelos dados oficiais, São Paulo
teve resultados positivos nos três
anos da gestão petista -R$ 396
milhões, R$ 555 milhões e R$
7,671 bilhões de sobra, respectivamente. Pelos cálculos da Folha,
porém, o inchaço da dívida ativa
escondeu sucessivos resultados
negativos. Em 2002, o déficit patrimonial seria R$ 2,969 bilhões.
Em 2003, R$ 2,824 bilhões.
Ou seja: mesmo que vendesse
tudo o que tem o governo seguiria
devendo um quarto do Orçamento da cidade. Se fosse uma empresa, a prefeitura estaria falida.
Silêncio total
Um resultado negativo é politicamente desconfortável, avaliam
os técnicos. Indica aos credores
que o governo em questão não é
confiável, pode impedir a concessão de empréstimos e sugere que,
no âmbito do município, todos os
contratos correm um certo risco.
A Folha procurou obter informações da prefeitura por três
dias. O governo teve acesso a todos os dados da reportagem e foi
convidado a esclarecê-los, mas
preferiu só informar que "a dívida
ativa tem de ser atualizada pelo
IPCA". A administração se negou
a mostrar seus cálculos, revisar os
da Folha ou comentar os indícios
de irregularidade nos balanços.
No TCM, apesar do alerta dos
auditores, as contas foram aprovadas. Na votação da semana passada, a despeito da reincidência
do artifício sobre a dívida -e da
falta de explicações-, os conselheiros consideraram "sanáveis"
as falhas apontadas.
O veredicto vai na contramão
do mercado. "O saldo patrimonial interessa a quem vai financiar", diz Marcos Castro, técnico
do Cepam (Centro de Estudos e
Pesquisas de Administração Municipal). "Com um resultado negativo, seria tecnicamente insustentável a autorização do Senado
para o empréstimo do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento]." Em maio, por 39 votos a
8, os senadores liberaram a operação de US$ 100 milhões para a recuperação do centro paulistano.
Castro foi um dos sete entrevistados que aceitaram dar declarações oficiais à reportagem. Outros
13, citando motivos diversos -da
gravidade do fato à ligação com
entidades ou partidos-, preferiram o anonimato, mas confirmaram a suspeita de irregularidade.
Para o economista José Roberto
Afonso, ex-superintendente de
Assuntos Fiscais do BNDES e um
dos principais analistas do PSDB,
a constatação é "curiosa". "Em
2003 houve um movimento de
prefeitos pela dedução da dívida
ativa do valor da dívida fundada
para efeito de limite de endividamento [que entra em vigor em
maio de 2005]. Até agora o governo não aceitou o pedido." Afonso,
assessor no Congresso, também
foi procurado pelos prefeitos.
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