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"Não gosto de compromissos"
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O pernambucano Severino Gomes, 53, se informa sobre o mundo assistindo televisão nos botecos. "Não gosto de horários nem
de compromisso. As pessoas costumam sair de madrugada para
trabalhar e passam a vida se lascando para no final não ter dinheiro nem para pagar seus remédios. Prefiro não fazer nada."
Morador da caverna da Urca,
ele veio para o Rio trabalhar em
hotéis como salva-vidas de piscinas, foi porteiro em um prédio residencial do Exército e acabou migrando para a gruta quando ficou
desempregado.
Na pequena moradia, onde está
há 25 anos, até hoje existe apenas
uma cama de casal e uma escrivaninha, ao lado de uma estante
com livros de Allan Kardec, fundador do espiritismo.
A gruta fica em um trecho de
mata atlântica ao lado da chamada pista Cláudio Coutinho, que
contorna parte do morro da Urca.
O terreno é militar, mas Gomes
garante sua permanência ajudando o Exército a preservar a floresta e prestando socorro a turistas.
O dia-a-dia na caverna é inóspito. O banho é gelado, com água
que vem da mina, e o banheiro,
no meio do mato. "Eu cavo um
buraco e enterro", explica Gomes.
Dentro da casa de pedra é preciso
ter atenção em dobro para as visitas indesejadas que chegam da
mata. "Já fui mordido por uma jararaca. Mas eu não mato os bichos, respeito o espaço deles", diz.
Como é uma área de preservação
ambiental, o pernambucano quase não acende fogueiras e, à noite,
precisa acostumar os olhos à luz
da lua e das estrelas.
Mesmo no meio do mato, Gomes está distante de ser uma pessoa solitária. "Tenho amigos da
Inglaterra, França, El Salvador,
Argentina, Uruguai, China e Estados Unidos. Está sempre passando gente nestas trilhas daqui", diz.
Para vigiar seu lar, Gomes tem
três cães. Mesmo assim, há alguns
meses lhe roubaram roupas, panelas, ferramentas e um rádio de
pilhas. "Não posso deixar nada de
valor aqui que as pessoas roubam." Apesar das adversidades, o
homem da caverna, que ainda
tem família em Pernambuco, diz
que não quer sair nunca dali. "Só
se o Exército me expulsar."
Gomes não tem nenhuma despesa com a caverna e todos os dias
os militares lhe dão almoço e jantar. Com a pescaria, ganha algum
dinheiro, gasto principalmente
com bebida e cigarros, suas fraquezas de cidadão urbano.
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