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DIREITO À SAÚDE
Juízes têm autorizado pedidos e liberado recursos para tratamentos de doenças consideradas raras
Paciente de terapia experimental é atendido
DA REPORTAGEM LOCAL
Tratamentos experimentais e
dolorosos, cirurgias desaconselhadas e drogas sobre as quais a
comunidade científica tem dúvidas ou cuja oferta para um grupo
de pacientes ainda não foi autorizada pelo governo: os juízes têm
concedido acesso a tudo que possa trazer, no mínimo, um pouco
de esperança ao doente.
R., hoje com 9 anos, é vítima de
uma doença de pele raríssima e
incurável -a epidermólise bolhosa, que causa bolhas e feridas
no corpo todo. A menina conseguiu na Justiça paulista acesso a
um tratamento experimental, em
que eram feitas transferências de
células da mãe para seu corpo. Foi
o único que trouxe algum alívio.
A Secretaria de Estado da Saúde
não queria pagar, justamente porque a terapia era experimental. A
Justiça não recuou, e a secretaria
colocou um médico para acompanhar as sessões, que custavam
cerca de R$ 1.000 mensais. A pasta
reconhece hoje que a menina melhorou, mas ela abandonou o tratamento por causa das dores.
"O juiz chorou de vergonha ao
ver o caso dela. Era experimental
mesmo. Fosse o filho do secretário, ele iria até a uma mãe-de-santo", justifica Lia Junqueira, do
Centro de Referência da Criança e
do Adolescente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil),
autora da ação.
Eliana Impiglia, 50, conseguiu
há dois anos um mandado de segurança para que a filha, portadora de transtorno bipolar, uma
doença mental, pudesse utilizar o
Zyprexa, medicamento que é fornecido pelo governo somente para esquizofrênicos. De acordo
com ela, a filha melhorou muito
quando começou a usar a droga.
"Há médicos que têm feito o diagnóstico de esquizofrenia só para
que o paciente tenha acesso a esse
remédio. Só consegui porque levantei e fui atrás."
Pacote completo
Ao paciente P., 19, surdo-mudo
com sequelas de uma agressão, a
Justiça concedeu, além de remédios e tratamento, cardápio personalizado, cotonetes, barbeador,
detergente, desinfetante, luva de
limpeza e até cera para o chão de
sua casa -todo o pacote é bancado pela Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo, que não informou o total das despesas.
A ação do caso relata que o jovem vivia em condições subumanas, em um lugar sujo, preso a
uma cama, com feridas nas costas, sinusite, problemas na bexiga
e sinais de transtorno mental.
"Essas situações relatam a fragilidade dos projetos sociais do
país. Estoura tudo na Justiça", diz
Artur Custódio Moreira de Sousa,
representante de usuários no
Conselho Nacional de Saúde.
As ordens judiciais que chegam
ao Ministério da Saúde se referem
aos tratamentos mais caros, como
os que beneficiam portadores de
retinose pigmentar (uma doença
que causa deposição de pigmentos na retina e prejudica paulatinamente a visão).
Alguns desses pacientes têm
conseguido na Justiça que o governo custeie um tratamento cirúrgico em Cuba. A viagem com
acompanhante e hospedagem
custa em torno de R$ 10 mil. "Já
temos pareceres de que o tratamento não resolve, mas recebemos mais de uma centena de casos", diz Renilson Rehem de Souza, secretário de Assistência à
Saúde do ministério.
Outro procedimento requisitado diretamente ao ministério é o
polêmico implante de mioblastos.
Vetado pelo Conselho Federal de
Medicina e banido em vários países, é aplicado em portadores de
uma doença rara que causa degeneração dos músculos (distrofia
muscular de Duchene). Com as
cirurgias em Cuba, gerou gastos
de R$ 4,7 milhões ao ministério
desde o ano passado.
O número de ordens judiciais
recebidas pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo é insignificante, informou o secretário
Eduardo Jorge, que afirma, no entanto, tentar cumpri-las. "O problema é de recursos. Não deveriam direcionar as ordens só para
a Saúde, mas também para o ministro da Fazenda e o Congresso."
(FABIANE LEITE)
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