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Comandante assume ordem de ocupar favela
General Enzo Martins Peri diz que partiu dele decisão de colocar cerca de 250 militares na operação da Providência
Para o comandante do Exército, a morte dos três rapazes foi "abominável", mas um "fato isolado", e a operação deve continuar
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O comandante do Exército,
general Enzo Martins Peri, disse ontem que soube do projeto
de recuperação de casas no
morro da Providência, pelo seu
autor, o senador e pré-candidato à Prefeitura do Rio Marcelo
Crivella (PRB), e assumiu integralmente a decisão de colocar
cerca de 250 oficiais e soldados
na operação.
"Não houve pressão nenhuma, rigorosamente nenhuma
[do Planalto e da Defesa]. Foi
uma decisão do comandante do
Exército Brasileiro", declarou o
general, que é carioca e da Arma de Engenharia.
Em entrevista à Folha no seu
gabinete no Quartel-General
do Exército, antes da decisão
judicial de retirada das tropas,
Peri disse que a morte de três
rapazes entregues ao tráfico
por militares foi "abominável",
mas um "fato isolado" e que a
operação iria continuar.
Eis os principais trechos:
FOLHA - Por que participar do projeto "Cimento Social"?
ENZO PERI - O nosso Palácio Duque de Caxias fica junto ao
morro da Providência. A situação do morro e a ação dos traficantes se refletiam na vizinhança. Isso era motivo de
preocupação. Vimos o projeto
do Ministério das Cidades para
que fizéssemos uma ação de recuperação de casas ali no morro como uma oportunidade para ajudar aquela comunidade.
FOLHA - Houve pressão do Planalto
e da Defesa para o Exército entrar? E
resistências na Força?
PERI - Não houve pressão nenhuma, rigorosamente nenhuma. Foi uma decisão do comandante do Exército Brasileiro.
FOLHA - Quem apresentou o projeto para o sr.?
PERI - Nós soubemos do projeto pelo senador Marcelo Crivella. A origem e a emenda para liberar os recursos são do senador Crivella, e a efetivação veio
do Ministério das Cidades.
FOLHA - Foi uma exceção o Exército num projeto assim?
PERI - É mais uma "ação subsidiária" que faz parte das nossas
ações previstas na Constituição
e que fazemos em todo o Brasil.
FOLHA - De recuperação de casas?
PERI - A recuperação de casas
em favelas nós já fazemos em
ações cívico-sociais, só que de
menor porte. A diferença agora
é de um porte maior.
FOLHA - E em área conflagrada,
quase de guerrilha urbana. E o parecer do Comando Militar do Leste
alertando para os riscos?
PERI - Eu não sei desse parecer.
O que existe, em qualquer ação
ou operação, é um exame de
vantagens e desvantagens e dos
riscos que nós estaremos assumindo. Nesse caso, especificamente, isso foi tratado com
muita tranqüilidade com o Comando Militar do Leste.
FOLHA - Que desvantagens? E o risco de contaminação entre militares
e traficantes? De tiroteios?
PERI - Isso foi considerado,
mas o efeito maior, social, foi
preponderante. Antes de entramos, a Polícia Militar já tinha feito um trabalho que nós
chamamos de limpeza, de verificar os elementos já destacados e retirá-los.
FOLHA - O sr. fala em "ação subsidiária", mas um texto confidencial
do ex-comandante da 9ª Brigada de
Infantaria Motorizada, coronel William Soares, classifica a operação
como GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Por que não assumir isso?
PERI - Se chegássemos a uma
situação em que tivéssemos de
ser empregados para garantir a
lei e a ordem, tínhamos de já ter
um planejamento. Temos de
estar preparados para a hipótese: "E se acontecer algo?".
FOLHA - Ou seja, vocês sabiam onde estavam se metendo?
PERI - Sabíamos que era uma
área onde poderia haver uma
situação de risco.
FOLHA - Muitos setores, inclusive na Defesa, consideram que a experiência do
Haiti já pode ser transportada para áreas urbanas do
Brasil. O sr. concorda?
PERI - Sou a favor do debate. É
hora de se considerar que se
tem a expertise para ser empregada em caso de necessidade,
desde que determinadas condições sejam preestabelecidas
para evitar, por exemplo, que
militares que estejam atuando
na garantia da lei e da ordem
venham a ser, como já ocorreu,
submetidos a processos.
FOLHA - O ministro da Defesa e o
governador do Rio já se manifestaram a favor. O que falta?
PERI - Falta o debate da sociedade e um posicionamento definitivo dos órgãos competentes para, enfim, aperfeiçoar a
legislação para chegar ao tamanho desejado da nossa atuação.
FOLHA - Justamente quando militares entregam três rapazes para
traficantes armados?
PERI - Esse é um caso evidentemente abominável, lamentável,
mas é isolado. Estávamos lá havia sete meses, sem nenhum
problema. Poderia ter ocorrido
em qualquer lugar, em qualquer outro ambiente. Por ser
um oficial do Exército, tomou
toda essa dimensão.
FOLHA - Esse fato justifica retirar os
soldados do morro?
PERI - A operação continuará.
FOLHA - O sr. diz que nunca tinha havido problema, mas há relatos de pessoas que dizem já ter sido agredidas.
PERI - Segundo o tenente [Vinícius Ghidetti] alega, havia provocações de ambas as partes.
Então, qual é o fundamento
disso que você me pergunta?
Não sei se tem fundamento.
FOLHA - O tenente tinha condições
psicológicas de ser oficial?
PERI - Se ele foi declarado aspirante a oficial, à época foi julgado que sim. Eles passam por
um teste psicotécnico.
FOLHA - Para o delegado Ricardo
Dominguez, há fortes indícios de envolvimento de militares com o tráfico. O Exército está investigando?
PERI - É preciso que ele nos
passe o que considera fortes indícios, porque temos todo o interesse em apurar qualquer indício, seja forte ou fraco, de envolvimento com o tráfico.
FOLHA - Como o episódio repercutiu dentro da Força?
PERI - Da pior maneira possível. Todo o Exército repudia
veementemente.
FOLHA - No caso dos sargentos
gays, o sr. acha justo o Exército prender duas pessoas por sua opção sexual?
PERI - Não. O Exército não
mandou prender por uma opção sexual. Um é desertor e a
Justiça mandou prender, como
qualquer desertor. O outro cometeu uma falta, uma transgressão disciplinar, e foi punido
em função disso.
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