|
Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA ROUBADA
Pelo menos 83 peças já desapareceram neste ano, maior número já registrado desde 94; papéis históricos são novo alvo, diz Iphan
Brasil ainda é incapaz de evitar sumiço de seu patrimônio histórico e cultural
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
O furto de bens do patrimônio
cultural brasileiro cresceu em
2003 e exibe hoje sua faceta de negócio: para o Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) e a Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), há indícios da atuação de
grupos especializados, que agem
por encomenda. Em muitos casos, suspeita-se da participação de
gente ligada ao mercado de arte.
Em 2003, segundo balanço parcial feito pelo Iphan a pedido da
Folha, pelo menos 83 peças desapareceram -78 em Minas Gerais
e 5 no Rio. É o maior número desde 1994, também com 83 registros. Em 1993, foram 247 peças.
Em 2002 e 2001, há registro de 19
casos. Ao todo, o cadastro do
Iphan lista 889 peças do patrimônio hoje procuradas.
Os principais alvos são objetos
de arte sacra -imagens de santos, anjos e adornos religiosos- e
arqueológicos -como as cerâmicas amazônicas de civilizações indígenas extintas. É comum que
peças furtadas em um Estado
apareçam para revenda em outro.
As peças sacras são revendidas
principalmente no mercado interno. Já as cerâmicas indígenas
são muito procuradas no exterior.
As urnas arqueológicas amazônicas estão na lista vermelha do
Icom (Conselho Internacional de
Museus) e são consideradas bens
sob risco de roubo.
Segundo o setor de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional da
Interpol, pode haver, em determinados casos, o envolvimento de
pessoas ligadas ao mercado das
artes -como marchands, colecionadores e restauradores-
com o furto de peças. Restauradores podem, eventualmente, agir
para "mascarar" uma peça, facilitando seu trânsito no mercado.
A Interpol, representada no
Brasil pela PF (Polícia Federal),
não tem dados exatos sobre furtos, mas informa que há um
"boom" de casos em 2003. Muitas
peças são recolocadas no mercado anos depois.
"Na maioria das vezes, esses
roubos são encomendados. Não
parto do princípio de que todo
antiquário é ladrão, tem muitas
pessoas que trabalham sério. O
trabalho errado é encomendar
peças para que possam ser jogadas no mercado e abrir espaço para que colecionadores cheguem e
digam, eu quero tal peça", afirmou Rogério Carvalho, responsável pelo cadastro de bens culturais
procurados do Iphan em Brasília.
Há um mês e meio, a PF de Minas apreendeu 130 peças em antiquários de São Paulo. Um restaurador foi preso, suspeito de pertencer a uma quadrilha especializada. O delegado Ricardo Amaro
Oliveira, da PF de Minas, disse
que há mais duas pessoas presas e
três com prisão decretada.
No final de agosto, foi apreendida no Rio Grande do Sul uma carga de 202 peças de arte, muitas delas de monumentos mineiros.
No Rio, em 17 de agosto foram
furtadas cinco peças históricas da
igreja de Nossa Senhora Mãe dos
Homens, no centro. Em 21 de julho, diz a PF, foi constatado o furto de mais de 2.000 peças da mapoteca do Itamaraty (centro do
Rio) -não tombadas pelo Iphan.
Nenhum caso foi esclarecido.
O caso do Itamaraty aponta, diz
Carvalho, para um novo alvo que
começa a atrair os ladrões: os papéis históricos, mais fáceis de
transportar. Há ainda casos isolados, como o de dois turistas que
roubaram do Copacabana Palace
uma estátua emprestada pelo
Museu Nacional de Belas Artes.
Ela foi achada na Grã-Bretanha.
Uma peça tombada pelo Iphan
integra o chamado patrimônio
histórico, artístico e cultural brasileiro. A peça dentro de uma
igreja tombada não pode deixar o
lugar. E, mesmo que seja particular, peça anterior a 1889 é proibida
por lei de deixar o país, seja ou
não tombada.
O furto e a receptação de peças
de patrimônio da União são crimes federais: pena de um a quatro
anos. Quem estiver com uma peça furtada, mesmo comprada de
boa-fé, tem de devolvê-la.
Próximo Texto: Prisões desarticulam quadrilha de Minas Índice
|