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MEMÓRIA ROUBADA
Quadrilhas planejam bem furtos, mas chegam a perder peças raras nas mãos de restauradores inexperientes
Para PF, grupos são semi-especializados
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As quadrilhas que atuam no
Brasil em operações de roubo ou
furto de peças históricas são semi-especializadas. Se por um lado
conseguem planejar minuciosamente suas ações, por outro são
capazes de entregar obras raras
nas mãos de restauradores inexperientes, que destroem peças
únicas por pura incompetência e
falta de conhecimento.
O país não é pólo consumidor
de peças roubadas na Europa ou
nos Estados Unidos, os grandes
clientes do mercado negro de
obras de arte roubadas. E também
não é "exportador". A maioria
dos crimes visa atender demandas internas, notadamente do eixo Rio-São Paulo mais Salvador
(BA) e Brasília.
O diagnóstico foi feito pelo delegado Jorge Barbosa Pontes, responsável pela Coordenação de
Proteção ao Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal. Os crimes das duas áreas estão previstos na mesma lei, daí a
unificação das atribuições.
Pontes coordena em Brasília a
articulação das 27 recém-criadas
delegacias especializadas no país,
uma em cada Estado e no Distrito
Federal. Em cada superintendência estadual da PF, há um delegado e alguns agentes que começam
a realizar um trabalho mais intenso sobre os crimes ambientais e de
peças artísticas.
Estatística
Até este ano, as investigações
eram feitas a reboque dos crimes.
A PF não dispõe, por exemplo, de
uma estatística confiável sobre os
delitos, deixando tal atribuição
nas mãos do Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional).
Da mesma forma, as informações sobre as quadrilhas estão
descentralizadas nas mãos dos
delegados que, por acaso, tenham
investigado algum grupo.
A análise feita pelo delegado
Pontes se baseia na experiência de
gerenciar informações recolhidas
em todo o país.
A PF já se deparou com quadrilhas que fizeram um furto quase
perfeito, mas não conseguiu vender a peça porque a deixou nas
mãos de um restaurador inexperiente. Resultado: o uso equivocado de tintas "modernas" destruiu
um quadro valioso. E único.
Por outro lado, os grupos planejam relativamente bem os crimes,
em que pese a fragilidade na segurança da maioria dos museus brasileiros. Conseguem entrar e sair,
na maioria das vezes, sem utilizar
arma, sinal de que estudaram o
terreno. Outro detalhe importante é que em quase 100% das vezes
o crime só é realizado quando há
comprador certo.
Sem qualificação
Outra avaliação interna da PF
diz respeito ao quadro técnico do
Iphan, que não estaria preparado
para identificar falsificações. Um
técnico do instituto não saberia,
para seguir um exemplo ouvido
pela Folha, perceber uma boa cópia de Picasso.
Nesta semana, Pontes deve trocar a agenda com os telefones dos
delegados em cada Estado com a
presidente do Iphan, Maria Elisa
Costa. A idéia é que o representante do Iphan mantenha contato
direto com o policial, para evitar
demora no início das investigações -o que, de acordo com a PF,
dificulta o encontro de provas,
tornando quase impossível rastrear o objeto subtraído.
Hoje, a burocracia atrapalha.
Não são poucos os casos em que o
Iphan do Estado informa a sede
em Brasília para que esta repasse a
informação para o núcleo central
da PF. Só então o delegado do Estado recebe a informação.
Peças estrangeiras
Como a "exportação" é pequena, são raras as vezes em que a PF
informa a Interpol sobre crimes
ocorridos internamente. O contrário também é raro. Neste ano, o
Iphan conseguiu impedir a venda
de uma peça estrangeira no país.
O mecanismo é simples. Sempre que há roubo de alguma obra
de arte em país cuja polícia é filiada à Interpol é emitida uma "difusão branca". No jargão policial, a
cor revela o teor do comunicado,
que pode chegar a vermelho em
casos de homicídio ou de tráfico
de drogas.
No mercado negro, o artesanato
brasileiro perde, em valor médio,
para o que se consegue em sítios
arqueológicos do Peru, Bolívia e
México, na América Latina. Já os
compradores mais refinados do
mundo preferem objetos europeus, especialmente da Itália.
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