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ENTREVISTA
"Fizemos 50 transplantes em crianças; podíamos ter feito 500"
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Crianças cardíacas e transplantadas do coração ganham, na terça-feira, uma nova e ampla casa
nos Jardins, em São Paulo. A um
custo de R$ 1,25 milhão, a nova
casa cresce de 47 para 56 vagas e
seus serviços são ampliados, com
assistência sociopsicológica e até
cursos diversos para os pais.
ACTC, Associação de Assistência à Criança Cardíaca e à Transplantada do Coração, foi criada
em 1994 por uma razão muito
simples: crianças pobres, a maioria vindas de fora, não podiam ser
transplantadas nem tratadas porque elas e seus pais não tinham
onde ficar em São Paulo.
A construção da nova sede contou com a ajuda de mais de cem
empresas e pessoas físicas. E a associação tem o apoio de cerca de
220 associados e 40 voluntários.
Tanta contribuição não vem
conseguindo resolver o principal
drama dessas crianças: a falta de
doadores, diz Miguel Barbero
Marcial, 58, professor da USP e
chefe da cirurgia cardíaca pediátrica do Instituto do Coração.
Cerca de 50 transplantes em
crianças pequenas -de recém-nascidos àquelas com cinco ou
seis anos- já foram feitos no Incor. "Poderíamos ter feito 500 se
tivéssemos doadores."
Abaixo, trechos da entrevista
que concedeu à Folha:
Folha - A falta de doadores é comum nos transplantes. Por que é
mais grave com as crianças?
Miguel Barbero Marcial - Felizmente, há menos crianças e adolescentes vítimas de mortes violentas. Mas se considerarmos
apenas aqueles que morrem em
quedas de laje e em acidentes de
carro, teríamos doadores suficientes. O problema está na agilidade que todo o processo exige.
Depois de confirmada a morte cerebral, um coração pode ser utilizado num período de 48 a 72 horas, mas desde que o hospital ofereça condições para que o órgão
seja preservado.
Com a morte do cérebro, o organismo necessita de muito sangue, plasma e soro, do contrário a
pressão cai, diminui a irrigação e
o coração se deteriora depressa. E
a maioria das vítimas de traumas
são crianças carentes, atendidas
em PSs da periferia, onde nem
sempre existem as condições necessárias. Também falta um
maior comprometimento dos
profissionais. Eu tenho estado em
hospitais da periferia conversando com médicos e expondo a importância de se preservar os possíveis doadores.
Folha - O que há, então, é uma
"perda" de doadores?
Marcial - Pode-se dizer que de
cada dez doadores que temos notícia, pegamos apenas um. É uma
situação angustiante, porque às
vezes temos dez, 15 receptores esperando, e fazemos apenas um
transplante. Se tivéssemos órgãos
em condições, poderíamos multiplicar por dez o número de cirurgias. Eu estimo que 70% das
crianças que necessitam de transplante morrem na fila de espera.
A maioria chega no Incor em condições razoáveis, se recebessem
um coração estariam boas em
dois dias. Mas vão se deteriorando rapidamente, necessitando de
mais remédios, de respiradouros,
até que acabam morrendo.
Folha - Qual a importância da
ACTC, da qual o senhor é fundador?
Marcial - Se não existisse, criança pobre não faria transplante,
porque ela e seus pais precisam de
um lugar para ficar em São Paulo
durante o tratamento. E a casa
oferece conforto e atividades que
podem mitigar esse sofrimento.
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