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DANUZA LEÃO
Como era bom
Era assim: nas férias, que
eram muitas, íamos para a
casa da minha avó, em Cachoeiro
de Itapemirim.
A viagem, no trem da Leopoldina, era uma aventura. Levávamos um farnel com frango assado, e a cada parada nas estações
apareciam vendedores oferecendo roletes de cana, rapadura, biscoitos, essas coisas. Havia também alguns leprosos, uns sem o
nariz, outros sem uma orelha, pedindo esmola.
A locomotiva apitava na saída,
nas curvas grandes e na chegada
e soltava uma fuligem preta que
sujava tudo; os que viajavam
muito -a maioria caixeiros-viajantes- usavam guarda-pó para
proteger os ternos. A viagem, que
deveria levar umas três horas,
atrasava muito, nunca menos do
que seis ou oito horas (só de atraso). Isso, sempre.
Na estação, um monte de tias
nos esperava com um carregador
(o de sempre, que não tinha uma
das mãos), para levar as malas.
Táxi? Acho que não existia; ia-se
para casa a pé.
A cidade tinha -tem- um rio
que parecia ser o maior do mundo, e as pessoas moravam do lado
de cá ou do lado de lá. Para chegar ao lado de lá, havia duas pontes: uma normal, a outra de ferro,
por onde passava o trem. Mas essa era perigosa, e só os meninos
ousavam -escondido- atravessar por ela. Se alguém via, contava logo ao pai, que dava uma surra (ou coça, como se dizia) no filho para que ele aprendesse a não
arriscar a vida assim por nada.
Lá pelas 7h, depois do jantar, as
tias solteiras desciam para passear na praça e arranjar namorado. De braços dados, de três em
três, elas iam de uma ponta à outra, num percurso de uns 50 metros. Os rapazes ficavam parados
em grupinhos, só olhando. Elas
iam e voltavam, iam e voltavam,
cochichando e rindo, comentando se "ele" tinha olhado, se não tinha, essas coisas de meninas. Às
8h30, todo mundo já estava em
casa, e aí havia um lanche na copa, coisa bem simples: café com
leite, pão e manteiga.
Nessa copa, havia uma geladeira pequena, de madeira, com um
trinco de metal bem grande. Não
era elétrica nem a gás nem nada;
todas as manhãs, chegava um homem trazendo duas grandes pedras de gelo e botava dentro da
geladeira.
Como a porta fechava muito
bem, o gelo se conservava o dia
inteiro, e às vezes, quando não tinha ninguém por perto, se roubava um pedacinho para chupar.
Ah, que delícia era chupar gelo.
Mas emoção mesmo era quando o rio subia. Ele era grande,
manso como um boi velho, e as
enchentes eram tranquilas. Não
havia desabamentos nem enxurradas, ninguém morria; a água
apenas subia, calada, e inundava
as ruas.
Quando havia enchente, para ir
de um lugar para o outro, pegava-se o bote.
Passear de bote era melhor do
que tudo na vida, e sempre aparecia alguém com uma máquina
para tirar um retrato da gente no
bote. Atenção: não era foto, era
retrato.
Outra grande emoção era visitar a fábrica de requeijão. Num
pequeno galpão -na nossa
imaginação, uma grande indústria-, três ou quatro homens, cada um com uma grande colher de
pau, mexiam o requeijão para
não embolar. O momento mais
emocionante era quando despejavam o requeijão numa vasilha
de madeira e nós, as crianças, íamos para o tacho, cada uma com
uma colher, para xepar a raspa
meio queimada do requeijão,
uma experiência gastronômica
inesquecível.
A vida era boa, muito boa, mas
tínhamos, quase todas, um sonho:
crescer e ir para a cidade grande.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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