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PASSADO QUE SE APAGA
Quase 30 anos após tombamento, núcleo urbano no litoral sul de SP tem construções desfiguradas
Sem recurso, Iguape vê conjunto histórico virar ruína
FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM IGUAPE
O maior conjunto de edifícios
históricos do Estado de São Paulo
agoniza. Isolado no Vale do Ribeira, a mais pobre das regiões paulistas, e quase 30 anos depois do
tombamento pelo patrimônio estadual, o núcleo urbano de Iguape
apresenta casas coloniais desfiguradas e prédios raros em ruínas
ou atacados por cupins.
São cerca de 300 imóveis representativos dos estilos colonial,
"art nouveau" e "art déco", segundo a Associação dos Amigos
do Patrimônio Histórico e Cultural de Iguape (233 km de SP).
Desses, 62 foram tombados pelo
Condephaat (conselho estadual
de defesa do patrimônio) em
1975, o que impede alterações no
imóvel ou entorno sem consulta.
A recuperação das relíquias da
cidade, uma das mais antigas do
Brasil -oficialmente, o ano de
fundação é 1538, mas a data precisa é desconhecida-, esbarra na
escassez de recursos.
"Depois da posse, fui à Fundação Roberto Marinho, no Rio, fiz
uma exposição, mas infelizmente,
na época, já havia 35 cidades numa lista de espera para receber incentivos", afirmou o prefeito João
Cabral Muniz (PSDB).
A esperança é obter o tombamento federal pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional). O estudo está
em andamento. Essa é a precondição para concretizar o sonho de
obter da Unesco o reconhecimento de Iguape como patrimônio da
humanidade, o que estimularia o
turismo e a captação de recursos.
Mas há crises domésticas. Criado por Muniz, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico está desativado há um ano e meio
por "falta de apoio", disse seu presidente, o historiador Roberto
Fortes. "O conselho deliberava e a
prefeitura não punha em prática."
"O presidente tem um jornal que
só ataca a administração. Como
coloco uma pessoa no conselho
para me ajudar e ela fica contra
mim?", defende-se o prefeito.
Enquanto isso, avança a degradação do patrimônio gerado entre os séculos 17 e 19 pela riqueza
dos ciclos do ouro e do arroz. Hoje, a pesca é a principal atividade
de Iguape, com 30 mil habitantes.
Em agosto, um casarão colonial
não-tombado com cerca de 200
anos foi demolido. O forro e parte
das vigas da Basílica do Bom Jesus
de Iguape são alvos por cupins,
que abriram frestas por onde entra a água da chuva, que destrói
lentamente afrescos centenários.
Orçamento feito pela entidade
estimou o custo para a troca do telhado, única forma de deter o estrago, em R$ 80 mil, dos quais foram arrecadados R$ 40 mil.
Do início do século 19, o prédio
de cal e pedra instalado no local
onde teria funcionado a primeira
agência dos Correios do país virou ruína -só há as paredes.
Vários dos imóveis que integram o casario colonial do centro
tiveram telhados e revestimentos
de fachadas originais trocados
por outros "modernos". "Há infiltração de estilos arquitetônicos.
Seria necessário fechar a região,
impor controle e oferecer orientação aos donos", disse o historiador Benedito Machado, autor de
"Iguape - Cidade Santuário".
Tombamento
O estudo da proposta de tombamento federal está em estudo. O
trabalho terá de ser aprovado pela
direção do órgão e enviado para o
conselho do Iphan, que decidirá
sobre a abertura do processo. Não
há prazo para concluir o estudo.
Com a medida, a cidade pode pedir verba federal do projeto Monumenta e o título de patrimônio
da humanidade da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Segundo o diretor técnico do
Iphan em São Paulo, Victor Hugo
Mori, a pretensão é propor o tombamento de uma parcela contínua dos bens da região central, e
não de vários elementos isolados,
como fez o estadual Condephaat.
"Será somatório de tudo o que envolve a praça da Basílica, inclusive
a igreja e a própria praça."
A mais recente iniciativa de restauração será inaugurada no dia
2, quando a Secretaria de Estado
da Cultura instalará na antiga cadeia, um sobradão do século 19, a
sede da Oficina Cultural Regional
de Iguape e do Vale do Ribeira.
A obra custou menos de R$ 30
mil. Quase todo o material foi recebido de empresas devedoras de
tributos ao Estado, que tiveram
abatimento das dívidas. A prefeitura forneceu a mão-de-obra.
O local terá oficinas de papel reciclado, teatro, iniciação musical,
artes plásticas e fotografia.
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