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TRÂNSITO
Cidade paulista possui a maior proporção de veículos por habitante; dados econômicos contribuem para o índice
São Caetano do Sul, a terra do automóvel
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na casa do engenheiro Francisco Satkunas, 58, a média é de dois
veículos para cada morador. Ele, a
mulher e os dois filhos, todos se
deslocam com um automóvel diferente. Satkunas ainda mantém
quatro motocicletas na garagem
para as horas de lazer.
Esse índice de motorização da
família Satkunas tem relação com
a profissão dele, diretor da General Motors -além disso, ele é ligado à SAE Brasil (Society of Automotive Engineers). Mas também se adapta à realidade de seus
vizinhos. Eles vivem na cidade
que pode ser considerada a capital brasileira do automóvel.
São Paulo pode ser recordista
em congestionamento e ser conhecida mundialmente pelo seu
tráfego estressante e pelas ruas
entupidas, mas a maior proporção de veículos por habitante está
em São Caetano do Sul, no ABC
paulista, conforme cruzamento
de estatísticas do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), do Denatran (Departamento
Nacional de Trânsito) e do Detran-SP (Departamento Estadual
de Trânsito) realizado pela Folha.
A cidade tem 1,22 morador por
veículo, segundo a base de dados
do Detran-SP, ou 1,62, pela do Denatran -que abrange os registrados do Renavam, a certidão de
nascimento dos veículos que estão em circulação no país (a principal diferença entre as duas é a
contagem de veículos antigos, que
não atualizaram as placas de duas
letras, parte dos quais não roda
mais). Se considerados somente
os de quatro rodas voltados ao
transporte de passageiros, esses
índices são de 1,70 e 2,04, respectivamente. Nada que se distancie de
Japão, Alemanha e Suécia.
O engenheiro Satkunas explica
que a razão para cada um andar
com um carro na família é a incompatibilidade de horários e de
atividades. O filho e a filha estudam em faculdades diferentes de
São Paulo. A mulher, professora
aposentada, faz trabalho voluntário na capital paulista. Só ele diz
não ter motivos para reclamar de
estresse no trânsito: além de morar, também trabalha em São Caetano, que, mesmo sendo líder em
motorização e tendo lentidão
acentuada nas principais vias, não
chega a ter as filas de carros parados conhecidas dos paulistanos.
"Nunca direi para a minha mulher que cheguei atrasado por
causa do trânsito. Quando estou
saindo do serviço, ela já põe meu
prato para esquentar", afirma Satkunas, que trabalha a seis quilômetros de casa e demora de oito a
dez minutos no deslocamento.
A realidade da família do engenheiro já dá explicações para os
motivos que tornam a cidade do
ABC a mais motorizada do país.
Há também outros indicadores,
como o econômico. A cidade possui a segunda maior renda per capita no Brasil (R$ 834 mensais).
Ainda, a fábrica da GM, que abriga mais de 7.000 empregados e
onde Satkunas é diretor -pela
função, tem direito a carro-, ajudou a desenvolver a região.
Com a presença da montadora,
além da frota dela registrada no
município, os funcionários recebem facilidades para a compra
dos carros. "Muita gente trabalha
lá. Talvez seja natural que, nesse
ambiente, os moradores gostem
ainda mais de automóvel", afirma
Moacir Guirão, 48, diretor de
Transportes e Vias Públicas de
São Caetano. "Nenhuma linha de
transporte demora mais de 15 minutos. Os ônibus perderam 30%
dos passageiros em sete anos. A
população não os utiliza por comodidade", diz.
A família de Guirão, que também já foi um apaixonado na juventude por carro ("eu colocava
som, acessórios"), contribui para
a motorização da cidade: ele, a ex-mulher e os dois filhos, de 23 e 28
anos, todos têm seu próprio carro. "O de 16 anos também deve
ganhar um quando fizer 18."
Caos
Vizinha de São Paulo e a 12 km
de distância do centro da capital
paulista, São Caetano tem uma
área de 15,3 m2 (9,4 parques Ibirapuera) e 230 km lineares de vias
públicas -nenhuma de terra. Só
os veículos de quatro rodas de
passeio seriam suficientes para fazer uma fila superior a 300 km.
"Se toda a frota daqui fosse para a
rua ao mesmo tempo, ficaria caótico", avalia Guirão.
Mas, afinal, com tanto automóvel, por que ela não pára? A família Satkunas é, mais uma vez, um
exemplo para essa resposta. Dos
quatro moradores da casa do engenheiro, somente ele tem suas
principais atividades dentro do
município. São Caetano é, para
muitos, uma cidade-dormitório.
O diretor de Transportes e Vias
Públicas ainda acrescenta que,
embora seja famosa no ABC somente pela avenida Goiás, os moradores são bons conhecedores
do restante do sistema viário, que
facilita os caminhos alternativos.
"Eu tenho quatro opções de trajeto para ir trabalhar. A diferença de
tempo entre eles não passa de dois
minutos", confirma Satkunas.
A avenida Goiás é um símbolo
do vínculo com os carros: abriga
29 lojas que vendem automóveis
em seus quatro quilômetros de
extensão, uma a cada 140 metros.
A pedagoga Sílvia Madruga da
Silva, 55, cuja família, de cinco
pessoas, mantém cinco carros na
garagem, gosta do "ritmo" dos
habitantes. "É outro mundo, não
existe aquele desespero", diz.
Roberto Leandrini Júnior, líder
da associação de bairro do Jardim
São Caetano, que reúne as principais mansões da cidade, conta
que a falta de radares de controle
da velocidade é uma das "vantagens". "Não existe a indústria da
multa", afirma ele, embora os técnicos municipais reconheçam a
necessidade de implantar os equipamentos para a redução de acidentes -medida ainda não adotada principalmente devido ao
desgaste popular que traria à prefeitura, que priorizou os serviços
de socorro às vítimas (com média
de atendimento em três minutos).
Com tanto carro, os furtos e
roubos são uma preocupação -a
média de 1.603 ocorrências por
100 mil habitantes em 2002 superou a do Estado (500) e a da capital paulista (909). "Nos prédios
antigos, não há vagas suficientes e
os carros ficam na rua. Os ladrões
já perceberam", afirma Guirão.
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