São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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WALTER CENEVIVA

Tribunais congestionados (lá fora)

É imperativo buscar soluções. Reduzir o número de recursos, conforme muitos defendem, corresponde a mero paliativo

EM ENTREVISTA RECENTE, o poeta Caetano Veloso criticou, nesta Folha, a mania dos brasileiros de falarem mal do Brasil. Concordo, tanto que insisto sempre que nada, absolutamente nada, acontece só no Brasil, apesar de muitos insistirem nisso.
Pois bem: li no "Financial Times" reportagem a respeito da Corte Européia dos Direitos Humanos, supervisionada pelo Conselho da Europa. A avalanche de ações novas tem sido tão grande que nem dobrando o número de seus juízes será possível quebrar o atraso dos 80 mil processos em andamento. Lá, como cá, há um círculo vicioso: o aumento dos queixosos "compensa" as medidas para diminuir o atraso.
Outro exemplo apareceu no "La Repubblica" de Roma. Terminou de ser julgado na Corte de Cassação da Itália (equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal) processo no qual a mulher de um cidadão de Messina (Sicília), com 36 anos, mãe de três filhos, recebia seu jovem amante de 23 anos no leito do casal. Ao descobrir, em 1975, o marido ingressou em juízo para a separação contenciosa. Foi além: pediu que a mulher fosse condenada à perda de bens que ele lhe havia doado em condomínio. A decisão final dessa ação foi há cerca de dois meses, 32 anos depois.
O crescimento das demandas judiciais não é só brasileiro. Parece comum nos países que operam no sistema da lei escrita (caso do Brasil) tanto quanto os que se orientam pela jurisprudência dominante. Parece geral a tendência de que a aceleração da resposta judicial perca a corrida dos julgamentos.
Entre nós, o Supremo Tribunal Federal vem encaminhando providências para unificar decisões quando haja muitos processos por assuntos semelhantes. Há queixas de que o direito das partes poderá ser sacrificado quando a semelhança não seja integral. As queixas parecem procedentes. Aí entra a pergunta óbvia: o que é melhor, continuarmos com os atrasos da estrutura atual, estendendo ao infinito a duração dos processos, ou aperfeiçoá-la para fazer a Justiça chegar a todos? O retardamento segue ritmo crescente, difícil de aceitar e de consertar -o que se tem anotado mesmo nos Estados Unidos-, salvo em processos muito simples.
A busca de soluções é imperativa, podendo ser útil colher a experiência externa. Reduzir o número de recursos, conforme muitos têm defendido, corresponde a mero paliativo. Para impor a solução dos conflitos fora do Judiciário, esbarraremos na tradição brasileira, abonada pela Constituição. É certo que o sacrifício do direito de defesa incidirá quase sempre sobre os mais pobres, pois os serviços públicos não estão aparelhados nacionalmente para dar assistência jurídica plena aos que dela necessitem, enquanto autores ou réus.
É muito provável que se agrave o crescimento geral dos litígios em toda a Terra, neste novo mundo miscigenado, da sociedade do consumo, da informação instantânea, da velocidade, da disponibilidade ininterrupta de meios de comunicação e diversão, da globalização e da internacionalização. Hoje o problema parece insolúvel. Até quando? É impossível dar resposta definitiva. Continuaremos a desafiar a crítica de Caetano, até que o brasileiro saiba que criticar apenas o Brasil de nada adianta.


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