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GOVERNO LULA
Programa, prometido durante a campanha eleitoral, esbarra na resistência de laboratórios e gestores do SUS
Lançamento do Farmácia Popular emperra
FABIANE LEITE
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Chove e Joana, com o filho no
colo, sai da farmácia cabisbaixa,
pois não tinha dinheiro para comprar o remédio para o bebê. Maria, rica, deixara o local pouco antes, com sua sacola de medicamentos. "Tem duas coisas que
não podem faltar nunca. Comida
e remédio", comenta o então candidato à Presidência Luiz Inácio
Lula da Silva, na propaganda que
lançou o Farmácia Popular na
campanha eleitoral, em 2002.
Se a história de Joana e Maria tivesse uma sequência, Joana estaria ainda debaixo de chuva, com o
filho doente no colo. O programa,
que prevê a venda de remédios a
preços mais baixos que o das farmácias, ainda não deslanchou.
Um ano depois, o governo, que
agora promete o lançamento para
janeiro de 2004, mantém o Farmácia Popular a sete chaves. Proibiu os diretamente envolvidos de
falarem sobre o tema e deixa uma
série de questões em aberto. Não
solucionou ainda a mais importante -como obter remédios
mais baratos em escala suficiente
para atender as farmácias.
A proposta original do Farmácia Popular, de garantir o abastecimento com a produção dos 18
laboratórios oficiais, já foi adaptada em razão das limitações do setor. No governo, fala-se agora em
recorrer aos genéricos, negociando preços ainda mais baixos -algo visto como inviável pelos produtores. Uma das idéias, de reduzir ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços)
sobre uma lista específica de remédios, prevista na emenda tributária, ficou para 2005.
Da indústria farmacêutica, vêm
críticas de que não é sensato abrir
farmácias populares num país
que tem 56 mil farmácias privadas. E de que não faz sentido investir em laboratórios públicos
quando os privados estão ociosos.
A idéia enfrenta, ainda, a resistência de usuários, gestores e trabalhadores do SUS (Sistema Único de Saúde), que temem um enfraquecimento da universalidade
do sistema e da já alquebrada rede
pública de concessão de remédios
-hoje são mais de 60 mil farmácias em postos e hospitais.
"Seja o que for, entendo que o
programa é insuficiente. Por isso
é que questiono até que ponto ele
não é uma espécie de Fome Zero
do medicamento, que leva à focalização, em detrimento de programas universais", diz Clair Castilhos Coelho, professora-adjunta
do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de
Santa Catarina e coordenadora da
1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, realizada em setembro.
O relatório final da conferência,
que por lei serve para dar diretrizes às políticas públicas do setor,
não veta o projeto, mas também
não o estimula. Em resumo, reforça a necessidade de fortalecer as
farmácias do SUS.
"Existe uma preocupação enorme em garantir o financiamento
das farmácias básicas da saúde. E
que o programa não seja sinônimo de desabastecimento", diz
Luiz Odorico Monteiro de Andrade, presidente do Conasems
(Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), para
quem "falta clareza" ao projeto.
Os municípios cobram aumento dos repasses do incentivo federal para compra de remédios básicos. "Esses R$ 3 por habitante/ano são muito pouco. Como implementar o Farmácia Popular
sem comprometer uma política
que já tem dificuldades?"
Pesquisa do Idec (Instituto de
Defesa do Consumidor), feita em
11 cidades e divulgada em 2002,
mostrou que em todas as 50 unidades de saúde visitadas faltava
pelo menos um dos 61 remédios
pesquisados. A disponibilidade
dos remédios foi de 55,4%, em
média. Dos brasileiros, 30% dependem totalmente da assistência
médica e farmacêutica do SUS.
Origem
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, 53% da população
não pode comprar medicamentos. Estudos no Rio de Janeiro
mostram que 50% das reinternações ocorrem por interrupção do
tratamento. Entre os pacientes,
80% dos que recebem alta não
conseguem comprar os remédios.
Durante a campanha eleitoral, o
Farmácia Popular foi apresentado
como carro-chefe das ações para
o aumento do acesso a remédios.
As origens do programa remontam ao governo de Miguel
Arraes, em Pernambuco, quando
remédios produzidos pelo laboratório estatal Lafepe eram vendidos a preço de custo.
A idéia, que já era defendida por
parlamentares do PT, ganhou a
simpatia do marqueteiro Duda
Mendonça, que explorou a imagem da farmácia com prateleiras
cheias e preço baixo também na
campanha de Paulo Maluf ao governo de São Paulo em 98 e retomou a idéia com Lula.
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