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DANUZA LEÃO
No que dá ter juízo
Uma turma de desanimados, pois não temos mais coragem de beber além da conta, de falar bobagens
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TENHO OUVIDO, cada vez mais,
homens e mulheres reclamando da vida, dizendo que
estão achando tudo chato, que são
pouquíssimas as pessoas com quem
querem conversar; sair, nem pensar.
Uma vez a cada 15 dias, para não virar bicho do mato de vez, aceitam ir
jantar fora com dois, três amigos, e
voltam dizendo "eu não tinha nada
que ter ido, já sabia que ia ser uma
chatice, da próxima não vou mais".
Jantares com mais gente, esses não
há hipótese, e se houver pessoas famosas por serem interessantíssimas, mas que você não conhece, aí é
que não vai mesmo.
Não há show de Chico Buarque,
João Gilberto, Caetano, que entusiasme essa gente. Ah, o flanelinha,
ah, a multidão, ah, a confusão da saída; e se alguém propusesse que um
desses cantores fizesse um show só
para ele, alguma desculpa seria arranjada para não querer. A única
coisa que os agrada é ficar em casa,
vendo televisão ou lendo um livro,
de preferência sós. Mas os que
trabalham em alguma coisa interessante têm uma saída: falar de trabalho. A vida vai ficando cada vez mais difícil, as pessoas cada vez mais sós,
mas nem por isso infelizes. Qualquer coisa, menos estar com gente.
Dá para entender? Pensando bem,
até que dá.
Houve um tempo em que essas
mesmas pessoas eram a alegria das
festas; dançavam, diziam bobagens,
eram engraçadas, todo mundo gostava delas, o telefone não parava de
tocar, e a vida era muito divertida. O
que aconteceu então? A idade que
chegou? Não necessariamente, pois
existem reclusos em todas as faixas
etárias. As festas são menos animadas? Para eles são, mas há gente que
não perde uma e acha todas ótimas.
Mas então que história é essa de não
querer sair, não querer ver gente,
não querer conhecer ninguém novo,
nem -e sobretudo- Gisele Bündchen? Ah, os mistérios dessa vida.
Aí comecei a prestar atenção a essas pessoas, para saber em que elas
mudaram -sim, porque está claro
que foram elas que mudaram. O
mundo continua o mesmo.
Lembrei de cada uma delas,
pensando que nenhuma tinha responsabilidades, empresas, mulher,
ex-mulher, filho. Todos podiam ir à
praia, e há alguma coisa mais irresponsável do que passar a manhã
pegando sol e dando um bom mergulho? E uma pessoa queimada
de sol pode ser infeliz? Abaixo os
dermatologistas, em primeiro lugar
a felicidade.
Qual foi a mudança que aconteceu
com cada um deles, que se tornaram
preocupados com o futuro, com
a bolsa, se subiu ou desceu, com
os países asiáticos, com o futuro
da China?
É que naqueles ótimos tempos
ninguém tinha juízo. A vida corria
mansa, sem uma só preocupação
com o o futuro -futuro? E isso existia?-, mas com o tempo fomos ficando responsáveis e ganhando juízo.
De tanto ouvir nossos pais dizendo "essa menina precisa criar juízo",
criamos, e somos hoje uma turma de
desanimados, quase deprimidos,
pois não temos mais coragem de falar bobagens, cobiçar ostensivamente a mulher do próximo, beber
além da conta, dar um grande vexame, e sobretudo, sobretudo, deixar
de ir ao trabalho numa quarta-feira
para ir à praia, porque criamos juízo.
Como era bom o tempo em que
não tínhamos nenhum.
danuza.leao@uol.com.br
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