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Mediador de conflito atua em morros do Rio
ONG contrata ex-traficantes e ex-presidiários para minimizar efeitos de confrontos em favelas e resgatar jovens do tráfico
Grupo auxilia moradores de comunidades conflagradas e, quando necessário, tentam interceder por eles junto ao poder público
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
A guerra urbana protagonizada por facções criminosas no
Rio fez surgir uma nova função
social: a de mediador de conflitos. São ex-traficantes e ex-presidiários que atuam em diversas favelas conflagradas para
tentar minimizar efeitos de
confrontos para moradores,
resgatar jovens do tráfico e até
fazer a interlocução entre Estado e as comunidades.
O AfroReggae -que comemora 15 anos de existência e
emprega entre seus 200 funcionários duas dezenas de ex-traficantes e ex-presidiários
com a função de mediador de
conflitos- dá consultoria a
ações na Índia, na Inglaterra e
na Colômbia, por exemplo.
Se mediar é uma nova função, conflitos sempre fizeram
parte da rotina de Washington
Rimas, o Feijão, 33, que foi líder
do tráfico durante dez anos, e
de Norton Luiz Guimarães Rosa, 49, que foi comandante da
rebelião que matou 30 pessoas
em uma cadeia do Rio em 2004.
Feijão e Norton hoje mantêm só divergências léxicas:
Norton prefere usar "cristalino" em tudo o que poderia ser
descrito como "puro", por lembrar o TCP (Terceiro Comando
Puro); já Feijão não usa a palavra "fiel", porque é assim que o
CV (Comando Vermelho) define o chamado braço direito.
A moradora e o botijão
O papel mais visível de Anderson Sá, 29, no AfroReggae, é
ser vocalista da banda que leva
o nome da ONG. Nasceu em Vigário Geral, que é vizinha de
outra favela plana, a Parada de
Lucas. A disputa pela venda de
droga nas duas comunidades
ocorre há 25 anos -o que levou
a região entre Vigário e Lucas a
ser batizada de Vietnã.
É nesse ambiente que Anderson Sá atua. A cada invasão de
uma comunidade por uma facção, dezenas de moradores vinculados aos rivais fogem.
Numa dessas ocasiões, Sá interveio em defesa de uma moradora que tentava escapar de
Vigário, carregando consigo
um botijão de gás, talvez seu
bem mais valioso ou útil.
Anderson Sá, que conhecia
um dos líderes do tráfico do TC
(Terceiro Comando), foi acusado de agir em prol do CV. Foi
cercado e ameaçado. Levou
dias sob forte tensão para explicar ao chefe do tráfico que havia ali um mal-entendido.
"Na dúvida, quem é neutro
acaba levando a culpa. Em situação de caos total, aparecem
novos mediadores, que muitas
vezes viveram do outro lado e
hoje são neutros e se arriscam",
analisa José Junior, coordenador-executivo do AfroReggae.
Fundado em 1993, o AfroReggae é movido por recursos
de mais de R$ 8 milhões obtidos junto a empresas como
TIM, Petrobras e Natura.
Um Pezão de cada lado
A trajetória de Junior fez
com que tivesse em seu caminho dois homens que estão em
lados opostos, mas que têm o
mesmo apelido: Pezão.
Luiz Fernando de Souza é vice-governador, responsável
por convênios com a União para as obras do PAC; Luciano
Martiniano da Silva, o outro
Pezão, é um dos chefes do tráfico do Complexo do Alemão.
Quando do início das obras
do PAC, Junior conversou com
os dois Pezão para expor anseios e preocupações dos moradores do Alemão. Nascido na
vizinhança do complexo, Junior conhece Pezão há sete
anos. Do Pezão vice-governador, aproximou-se há dois.
Quando 19 pessoas morreram em uma incursão policial
no Alemão há um ano, lideranças comunitárias recorreram a
Junior para serem ouvidas pelo
vice-governador. "O ideal é não
ter tráfico. Mas tem. No universo do caos, temos de lidar com o
menos pior", diz Junior.
Banda 190
Charles Anderson Menezes
Rosa, o Brother, 29, é morador
do Alemão desde que nasceu.
Cabe a ele recepcionar os convidados do AfroReggae na área.
Na semana passada, o ex-assaltante assustou-se ao saber
que teria de ir à sede do Batalhão de Choque da PM do Rio.
Tinha de levar um ofício. "Lá,
um policial virou e disse: está
lembrado de mim? Eu olhei para cara dele e pensei: será que
esse cara já me prendeu?".
Mas o policial o conhecia por
outra razão: é o saxofonista da
banda 190, formada por PMs e
que vai tocar no aniversário do
AfroReggae na próxima quarta.
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