São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Jovem escapa da morte após ação de mediador

DA SUCURSAL DO RIO

A rapidez de pensamento é semelhante a uma rajada de metralhadora, e ele, hoje, brilha nos palcos como o pó que antes vendia. Um ex-traficante faz sucesso em palestras em empresas como Natura e Itaú Cultural e espaços como a Casa do Saber e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ao narrar sua experiência como mediador de conflitos e ex-líder do tráfico, Washington Luiz Oliveira Rimas, o Feijão, 33, é um dos destaques nas conferências promovidas pelo AfroReggae.
"Sou baixinho, gordinho e negro. Para ter mulher bonita na favela, só se eu fosse o chefe do tráfico", gosta de contar Feijão, hoje pai de dois filhos, casado com uma mulher que começou a namorar quando ela tinha 14 anos e ele, dez anos mais velho, era uma das lideranças de uma facção e dono dos pontos de venda de droga na favela de Acari, zona norte do Rio.
Em junho de 2003, Feijão foi preso, acusado de comprar um FAL (Fuzil Automático Leve), roubado de um quartel do Exército dois anos antes. O soldado que furtou a arma apontou Feijão como o comprador.
Feijão se escondia em Salvador havia oito anos -com idas e vindas ao Rio- e diz que o soldado não poderia ter lhe vendido o fuzil. Mas, provavelmente, vendeu a alguém que trabalhava para ele.
Em seu julgamento, Feijão conta que a defesa pediu que o soldado descrevesse o traficante a quem vendeu a arma: "Um negão grande e forte", respondeu. O baixinho e gordinho Feijão foi absolvido e decidiu largar o tráfico.
Quando conheceu José Junior, do AfroReggae, mais uma vez os traficantes de sua antiga facção da Parada de Lucas haviam invadido o local onde o AfroReggae trabalha. "O cara que manda no crime lá começou carregando a quentinha para mim. Ele me respeita muito", narra Feijão.
Como mediador, ele foi para a comunidade para tentar evitar que os traficantes de sua antiga facção "batessem neurose" com moradores que tivessem alguma ligação familiar com traficantes do Comando Vermelho. "Fui dando tranqüilidade ao pessoal, e deu certo."

Cooptação
Dois integrantes das oficinas de percussão foram vistos de rádio na mão, aderindo ao tráfico, após alguns anos no grupo cultural.
"Quando os caras tomaram a comunidade, o tráfico estava passando por um momento crítico financeiramente. Chegam os invasores, cheios de dinheiro, cheios de cordão de ouro, carro poderoso, moto bonita. Isso balança o moleque da favela", afirma Feijão.
Junior soube da cooptação e, às 7h, ligou para Feijão, para que fosse falar com um dos garotos que vivia seu primeiro dia como radinho do tráfico -o antigo olheiro, mas que, hoje, tem radiotransmissores.
"Mesmo que tu queira ir para a boca-de-fumo, tu não fez certo, não. É bagulho errado. Tu não está sendo sujeito homem não. Tem de ir lá ao AfroReggae falar que tu quer ser bandido", relembra Feijão, na sua particular conjugação verbal.
O gerente do tráfico logo rebateu: "Ninguém está obrigando a ninguém entrar para a boca, não", conta Feijão.
"Se o cara sai da boca, não tem de falar com você? Se sai do AfroReggae, tem de falar com o Junior", argumentou Feijão.
"Comecei a contar minha história, mostrei as cicatrizes dos tiros que tomei e disse que ele estava maluco. O Junior disse que ele morreria na mão do Comando Vermelho", recorda.
Uma semana depois do ocorrido, sete traficantes foram mortos em uma operação policial. O conflito ocorreu no ponto em que o jovem fazia vigília. "Ele ligou chorando para agradecer quando soube da notícia. Até hoje sou babá dele. Semana passada, fui ao hospital buscar seu primeiro filho, que acabou de nascer." (PF)


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