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ATLETAS DE SOFÁ
Lançamento de martelo, hóquei, esgrima: alucinados por Olimpíada param tudo para ver qualquer esporte
Loucos por Jogos fazem vigília em frente à televisão
DÉBORA YURI
DA REVISTA
A administradora Dora Bello
Rossetti, 56, não sai mais de casa.
Seu filho, o advogado Gilberto, 29,
e a assistente de marketing Elaine
Pereira, 32, têm evitado compromissos sociais. O engenheiro Alexandre Guzela, 23, tirou férias.
Thiago De Rose, 22, agora dorme
das 20h30 às 3h. O publicitário
Washington Olivetto, 52, e o estudante Sílvio Leonardo de Souza
Cruz, 21, passam madrugadas em
claro. O motivo da nova rotina é
um só: eles são loucos por Olimpíadas e desde o início dos Jogos
de Atenas, há dez dias, não querem saber de outra coisa.
Como só acontece a cada quatro
anos durante duas semanas, o
evento é encarado com muita seriedade pelos "medalhistas do sofá". Alexandre, que trabalha e cursa engenharia à noite, iniciou o
seu planejamento para Atenas-2004 no ano passado, quando
marcou férias para o dia 13 de
agosto, data de início dos Jogos.
Em janeiro, assinou TV paga e,
um mês antes que a tocha fosse
acesa, criou uma tabela completa
das modalidades no computador.
Agora, está "no paraíso": acompanha os Jogos das 3h às 18h, horário brasileiro das disputas, devido à diferença do fuso de seis horas. "Programo meu despertador
para tocar às 2h30, mas tenho andado ansioso, então sempre acordo antes. Não saio de frente da
TV, como no sofá, vou ao banheiro rapidinho e só marco compromissos e faço supermercado depois das 18h. Esperei quatro anos.
Não quero perder nada", diz.
A mãe, Lúcia, 52, conta que o filho é maluco por Olimpíadas desde Barcelona-2002, quando, aos
12, passou a acompanhar a competição o tempo inteiro. "Os amigos até chamaram o Alexandre
para ir à Bahia, mas ele disse que
não poderia viajar por causa de
Atenas. Talvez depois."
Os alucinados pelos Jogos têm
algumas características em comum: geralmente, são solitários
em sua fissura, torcem com fanatismo por um time de futebol e já
tentaram praticar esportes, invariavelmente sem sucesso.
"Eu sei as regras de tudo, mas
não tenho talento para nada. Tentei várias coisas, já fui goleiro de
handebol, joguei vôlei", conta
Alexandre, são-paulino que adora
esgrima e lamenta que provas de
tiro passem pouco na TV.
Elaine Pereira, que colocou o hino do Palmeiras como toque de
seu celular e chora com as derrotas do time desde os quatro anos
de idade, diz que tentou corrida.
"Na minha primeira experiência
com bola, já virei o dedo", lamenta ela, que vê os Jogos desde Moscou-1980, quando tinha oito anos.
Ao receber a reportagem, ela vai
logo disparando o último boletim
olímpico. Como boa atleta do sofá, Elaine é do tipo que pára tudo
para assistir qualquer coisa. E, como boa representante do sexo feminino, ela chora -muito. "No
domingo, chorei quando a ginasta mexicana caiu. Morro de pena
dos atletas. Também não posso
ver compactos de cenas olímpicas
com aquelas músicas lentas..."
Durante a entrevista, ela conta
que está tensa. Tem Brasil x Itália
no vôlei bem na hora de uma reunião. "Mas já combinei com a minha mãe, vou deixar o celular no
vibrador." Elaine tem programado a TV para ligar de madrugada,
na hora das provas, e já está pensando em Pequim-2008. "Meu sonho é assistir uma ao vivo."
Tanto Elaine como Alexandre
preferem Jogos Olímpicos a Copa
do Mundo. "É a grande maratona,
envolve quase todos os países e
modalidades", diz ele, um dos 160
mil inscritos para as 45 mil vagas
de voluntários em Atenas. Alexandre não foi selecionado, mas
já começou a fazer uma poupança
para Pequim-2008.
No apartamento de Dora Bello
Rossetti, 56, o espírito olímpico
está presente "desde sempre".
"Eu "nasci" numa quadra de vôlei
e joguei a vida toda. Tenho saudade do cheiro do piso, do tênis, da
transpiração", diz ela, que coleciona fitas de vídeos de Olimpíadas -as favoritas são as dos jogos
do time de vôlei campeão de 1992
e as de cerimônias de abertura.
"Eu me internei aqui em casa na
abertura da competição e não pus
mais o nariz para fora." Ela e o filho, o advogado Gilberto, 29,
montaram "uma estrutura" em
casa com três televisões, videocassetes e internet para acompanhar
tudo. "E daí que nem sempre há
brasileiro competindo?", diz ele.
Alguns nem ligam para a falta
de "apoio" na hora de comer pipoca, fazer figa e xingar juízes. Para o publicitário Washington Olivetto, presidente da W/Brasil, a
companhia perfeita é sua própria
concentração. "Não gosto de dispersão. Busco ter a mesma concentração do atleta que está lá."
A tara por Olimpíada, ele lembra, começou com os Jogos Pan-Americanos de São Paulo (1963),
em que assistiu "todas as coisas"
ao vivo. Fanático por basquete,
praticou o esporte até os 13 anos,
quando estourou o menisco. "Eu
queria ser o Wlamir Marques [jogador que brilhou nos anos 60
com a seleção brasileira]", diz.
Com três Copas na bagagem, ele
nunca viu Jogos Olímpicos ao vivo. "Em termos de grandiosidade,
Copa é torneio e Olimpíada é
competição. E ela esbanja um
atrativo que nenhum outro evento tem: o prazer de estar lá já é um
prêmio para o atleta."
A possibilidade de, a cada dia,
descobrir um nome ou time novo
para torcer também o encanta.
"Não é como no futebol, em que
eu sou Corinthians e ponto final."
Também corintiano fanático, o
assistente de marketing Thiago
De Rose, 22, cita as provas "em
que um erro determina tudo" como as mais apaixonantes dos Jogos, como hipismo e ginástica:
"Atletismo e natação também, os
caras se matam por centésimos".
Sílvio Leonardo Cruz, 21, estudante de ciência da computação
na Universidade Federal de Minas
Gerais e cruzeirense fanático, sente saudades de Sydney, a Olimpíada. "Eu estudava em período integral e atravessava a madrugada
vendo tudo", lembra. A partir do
próximo domingo, também vai
sentir saudade de Atenas. E esperar por Pequim.
Leia a reportagem completa no site
www.uol.com.br/revista
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