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DROGAS
Ex-empresário que perdeu tudo por causa da bebida, Marcílio Cavalcanti dirige a entidade e é contra ações repressivas
Rede de usuários defende direito ao uso
ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Em geral, a imagem do usuário
de drogas está associada a alguém que esconde que faz uso de
substâncias ilícitas ou que está
em tratamento para deixar de
usar drogas lícitas ou ilícitas.
Para quebrar essa imagem e
discutir novas formas de abordagem do tema, foi criada neste
ano uma rede nacional de usuários de drogas.
Eles defendem o direito de usar
drogas e criticam as linhas de
combate ao problema que apontam, exclusivamente, para o
abandono dessa prática.
Acreditam que as políticas públicas têm que visar também
aqueles que não querem parar,
mas que podem, ao menos, reduzir possíveis danos.
A Folha entrevistou o coordenador-geral da rede, Marcílio Cavalcanti, 43. Ex-empresário que
perdeu tudo por causa da bebida,
ele se recuperou e virou ativista de
direitos humanos ao fundar a organização não-governamental Se
Liga, de Pernambuco, entidade
que tem o apoio do Ministério da
Saúde e reúne usuários de álcool e
outras drogas do Estado.
"Se for usar, não abuse" é um
dos slogans das campanhas da Se
Liga. Veja trechos da entrevista de
Cavalcanti, feita em Brasília, após
o seminário Mídia e Drogas, realizado na semana passada pela Andi (Agência de
Notícias dos Direitos da Infância)
e pelo Programa
Nacional de DST/
Aids do Ministério da Saúde.
Folha - Por que
criar uma rede nacional de usuários
de drogas?
Marcílio Cavalcanti - Porque chegamos à conclusão de que entidades e técnicos falavam em nosso nome no momento
de discutir políticas públicas. Não
precisamos que ninguém fale em
nosso nome, até para mostrar para a sociedade que o usuário de
drogas é capaz de produzir, viver
e ter uma vida decente.
Folha - Hoje, há várias associações e grupos que ajudam quem
quer parar de usar drogas. Qual a
diferença entre vocês e eles?
Cavalcanti - Nossa proposta é
ajudar também pessoas que não
querem parar, mas que se dispõem a reduzir os danos desse
uso. Trabalhamos na linha da redução de danos. Tentamos convencer, por exemplo, um usuário
a não compartilhar uma seringa
ou um cachimbo de crack para
evitar contaminação. A abordagem é feita também com drogas
lícitas. Se uma pessoa bebe uma
garrafa de uísque todo dia e não
quer parar, mas dirige sempre
embriagada, tentamos convencê-la a pegar um táxi.
Folha - O correto não é defender
que as pessoas larguem totalmente as drogas?
Cavalcanti - Entendemos que a
droga, por si só, não é boa nem
má. Depende da
relação que o sujeito estabelece
com ela. Os opiáceos, por exemplo, são usados
como analgésicos
ou por pessoas
que querem se entorpecer. É um
exemplo de que
uma mesma droga que cura pode
se transformar
num problema
para o usuário.
Acreditamos que
é um direito da
pessoa dispor livremente de seu
corpo e de sua
mente. Eu posso
até alertá-la do risco do uso de uma
determinada droga, mas não cabe
a mim julgar o que é melhor ou
não para ela.
Folha - Isso não é apologia ao uso
de drogas?
Cavalcanti - A política de redução de danos não deve ser confundida com apologia. Não defendemos o uso, mas o direito de
as pessoas usarem ou não. Nós,
por exemplo, não distribuímos
panfletos que falam de redução de
danos ao público que não usa
drogas porque isso pode ser confundido com um estímulo. Nossa
campanha é para que pessoas que
usam e que querem continuar
usando evitem prejuízos maiores.
Folha - Não é irresponsável falar
em redução de danos sabendo que
muitos usuários de drogas podem
se tornar dependentes e ter sérios
problemas?
Cavalcanti - Eu fui dependente
grave de álcool, fiquei dois anos
em tratamento e tive que ser internado sete vezes. Estou há nove
anos sem beber, mas sou um ex-empresário que perdeu tudo o
que tinha na vida por causa da bebida. Por isso, posso dizer que estou autorizado a dizer isso tudo
porque sofri bastante. Além disso,
há dados epidemiológicos que
mostram que apenas 10% ou 15%
da população se torna dependente de drogas lícitas ou ilícitas.
Folha - Você tem uma filha de 17
anos. Não teme que seu comportamento a influencie?
Cavalcanti - Uma estratégia da
redução de danos é tentar adiar ao
máximo o início do uso de drogas
pelos jovens. Não tenho nenhuma
dúvida de que a maioria dos jovens vai experimentar algum tipo
de droga lícita ou ilícita. A rede
brasileira de usuários ainda está
discutindo uma carta de princípios e vai ter uma posição, mas,
em Pernambuco,
já somos contra o
uso de drogas por
menores de idade.
Folha - Atualmente, o governo
federal apóia iniciativas de redução de danos pelo
Ministério da Saúde, mas tem uma
Secretaria AntiDrogas com foco
na repressão e prevenção ao uso. Isso
não é uma contradição?
Cavalcanti -
Acho que sim. O
Ministério da Saúde, desde o governo passado,
avança na política de redução de
danos, mas me parece contraditório defender uma política mais tolerante com o usuário e ter uma
secretaria com o nome antidroga.
Folha - O usuário que compra de
traficantes não é culpado por alimentar essa violência?
Cavalcanti - Culpar o usuário pela violência é uma maneira de esconder o verdadeiro problema. O
que gera violência não é a droga
ou a pobreza, mas a desigualdade
social. Para acabar com o tráfico,
legaliza-se a droga.
Folha - Como legalizar?
Cavalcanti - Defendemos a legalização, mas com regulamentação. Não estamos falando em liberar a maconha e permitir, por
exemplo, que eu vá fumar numa
escola. Legalizar por legalizar só
vai aumentar o consumo e as conseqüências do uso.
Folha - Mas, mesmo com controle, não há o risco de aumento do
consumo?
Cavalcanti - Há essa possibilidade, mas a gente só vai saber se isso
realmente vai acontecer a partir
do momento em
que implementarmos essa política.
Pode-se dizer que
o consumo de álcool é elevado,
mas ele é alto também por causa da
publicidade e do
estímulo social à
bebida.
Na nossa avaliação, o maior dano
causado ao usuário de drogas está
na ilegalidade. Pelo fato de serem
ilegais, o jovem
tem que se vincular à marginalidade para ter acesso
a elas. O fato de
ser ilícito também
afasta a possibilidade de diálogo com os pais. Há
também dezenas de casos de
overdose em que as pessoas morrem por medo dos colegas de as
levar ao hospital.
O repórter Antônio Gois viajou a convite
do Ministério da Saúde e da Andi para
participar do seminário Mídia e Drogas
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