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GILBERTO DIMENSTEIN
Estão seqüestrando até "flanelinha"
Um "flanelinha" e um
vendedor de chiclete na rua
já foram seqüestrados na cidade
de São Paulo. Exigiu-se um resgate de R$ 700 reais, num claro sinal
de que essa modalidade de crime,
comandada inicialmente por
"profissionais", entrou na fase do
vale-tudo dos amadores.
O número de seqüestros "tradicionais", que exigem resgate,
caiu, mas os do tipo "relâmpago"
viraram rotina: registram-se 40
casos por mês.
O ambiente de vale-tudo explica por que o pânico se reinstalou
na cidade de São Paulo: começaram a capturar mais estudantes a
caminho da escola.
Não há, neste momento, nenhum outro assunto mais importante para as classes média e alta
paulistanas do que o pavor de ver
os filhos raptados. Os colégios tomam medidas de segurança inimagináveis até pouco tempo
atrás: ônibus monitorados por satélites, sistemas de câmeras nas
ruas próximas da escola, equipes
de vigias circulando pelo bairro.
Quem for a uma escola de elite verá ainda mais freqüentemente estudantes chegando com guarda-costas.
Um tradicional estabelecimento de ensino sugeriu a seus alunos
que não andassem a pé ostentando na roupa emblemas que identificassem onde estudam. Garagens são construídas especialmente para que os alunos evitem
as ruas.
Esse pânico é a ponta mais saliente da degradação social que
terá de ser assumida, pelo menos
em parte, pelo próximo prefeito
-uma degradação que, na quinta-feira, ganhou ares ainda mais
tenebrosos com a chacina de moradores de rua.
Uma bateria de dados da Fundação Seade, divulgada na última quinta-feira, mostra o tamanho da crise social na cidade,
combustão da violência. O desemprego entre jovens de 18 a 24
anos chega a quase 30%; em 1995,
ficava em 18%. Olhando assim,
percentualmente, a cifra pode
não impressionar, mas, em números absolutos, são mais de 300
mil jovens -e isso sem contar os
que já pararam de procurar emprego e não entram na estatística
de desocupação.
De acordo com a Fundação
Seade, em alguns bairros periféricos, de cada 10 crianças que nascem 3 vêm de adolescentes. Isso
explica, em parte, que, nessas regiões, a taxa de fecundidade seja
maior e concentre a maior percentagem de jovens.
Excesso de jovens e falta de ocupação juntos constituem um dos
óbvios combustíveis da delinqüência.
Ainda não está sendo discutida
com a intensidade necessária,
nestas eleições, uma das piores
heranças que estamos deixando
para as crianças e adolescentes: a
herança do medo. Estamos sitiados -e cada vez mais sitiados.
Mesmo que aumente o crescimento econômico, como está de
fato aumentando, o suprimento
de jovens desolados, atraídos pela
violência ou em situação de risco
é gigantesco e permanecerá gigantesco.
Uma discussão séria para o próximo prefeito é a que busca saber
até que ponto se consegue articular toda a comunidade e as diferentes esferas de poder (municipal, estadual e federal) para lidar
com as zonas conflagradas.
Já existem, isoladamente, experiências interessantes, com programas que tentam fugir da fragmentação de esforços. Mas estamos muito longe de ter uma rede
atuando em conjunto para reduzir a exclusão social no geral e a
do jovem em particular.
Articular redes dos mais diferentes núcleos de poder, a começar dos prefeitos da região metropolitana, indo do governo federal
à mais humilde das associações
de bairro da periferia, talvez seja
a mais importante tarefa do próximo prefeito para reduzir a exclusão. Pouco, na verdade, pode
um prefeito fazer quanto à repressão.
A novidade é que os ventos são
favoráveis à montagem de redes
para melhorar a qualidade de políticas públicas contra a miséria.
Nos governos federal, estadual e
municipal, além das direções de
fundações empresariais e de entidades não-governamentais, desenham-se alguns consensos. Um
deles é o de que se deve sempre
trabalhar articuladamente e com
um foco delimitado -evita-se,
assim, a superposição de tarefas.
O chamado terceiro setor é um laboratório de soluções baratas e
criativas.
Tanto na prefeitura como no
governo de São Paulo, atuam importantes técnicos, de origem na
vida acadêmica, já desenvolvendo experiências férteis de trabalho em rede -é o caso dos programas de renda mínima.
Em poucas palavras, prospera
uma tendência de refinamento
das políticas públicas na área social e de profissionalização das
entidades não-governamentais e
das ações comunitárias das empresas. Falta alguém que possa
fazer essa amarração, e esse alguém só pode ser o prefeito. Necessita-se menos de obras do que
da coordenação de potencialidades e inteligências.
PS - Até agora, nenhum dos
candidatos a prefeito de São Paulo apresentou nada, rigorosamente nada, de consistente para
montar uma rede contra a violência. Seria muito importante que
estudássemos as experiências da
Colômbia, desconhecidas no Brasil, em que prefeitos de Bogotá, de
Cali e de Medellín obtiveram êxito em programas de prevenção à
violência.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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