|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DESIGUALDADE
Comparação entre duas favelas, uma na zona sul e outra na região central, identifica privações específicas
Estudo mapeia faces diversas da pobreza
DA REDAÇÃO
Zona sul de São Paulo, estrada
do Embu-Guaçu, 10h de uma
quarta-feira ensolarada. O motorista avisa que vai entrar na ladeira esburacada à esquerda. Pede a
todos que se segurem. Ele pisa
forte para que o veículo não fique
patinando no meio do caminho.
Por uns 50 segundos, tempo necessário para completar a subida,
há uma sucessão de solavancos.
"Desculpem, de outra forma não
chegaríamos até aqui."
Já fora do carro, constata-se que
a rua está quase vazia. Três homens estão sentados na mesa de
um bar. Bom dia. Bom dia. Continuamos a subida do morro a pé.
Um barraco aqui, outro ali, terrenos com mato. Silêncio. Ouve-se o barulho do vento. Quase silêncio. Ao longe, baixinho, escuta-se uma música: "A eguinha pocotó, pocotó, pocotó..."
Tudo muito calmo. "Isso aqui
parece um interiorzão", diz Beatriz Giosa, 44, diretora de Assistência Social do Jardim Ângela,
que tem 73,7% de sua população
em áreas de alta privação social.
Na região onde se encontra a favela Bananal, no extremo sul do
distrito, há focos de altíssima privação social. "A prefeitura tem
uma entrada recente nessa área. A
maioria aqui não tem trabalho.
Vive de "bicos" e doações."
Vamos nos encontrar com a líder comunitária Cleuza Gomes da
Silva, 43. Ela estava nos esperando
porque havia sido avisada por telefone. Algumas moradias têm telefone, mas o correio não sobe o
morro. Ao lado do espaço comunitário, escondida pelo mato, há
uma pequena horta, iniciativa de
um programa da prefeitura.
Além da visita dos agentes comunitários de saúde, o governo
municipal organiza oficinas de
ambiente (trata-se de uma área de
manancial, que por lei não pode
ser urbanizada), de artesanato e
de alimentação alternativa.
Chegamos até a casa de Maria
Madalena Del Isola, 59. Ela está há
pouco tempo no local. Era moradora de São Miguel (zona leste).
Mudou-se para a favela para fugir
do aluguel, mas não poderá ficar
na habitação de alvenaria, que
corre risco de desmoronamento.
São cinco mulheres e duas
crianças no cômodo único. Duas
netas de Maria -Tatiele, 18, e Aline, 16- não estudam porque temem andar à noite na região. A
caminhada até a escola do ensino
fundamental dura 40 minutos.
Não há escolas nem creches perto da favela. "O filho maior cuida
do menor", explica a líder comunitária. Assim como o posto de
saúde, distantes estão também as
oportunidades de emprego.
Não há transporte público que
adentre a Bananal. Há deficientes
na região. Marineuza Ferreira da
Silva, 38, tem duas filhas com deficiência física. "Elas estão crescendo, e é difícil subir o morro com
alguma delas no colo."
Aproximadamente mil famílias
moram na Bananal. Não há rede
de esgoto -somente fossas primitivas. O lixo é jogado por cima
do muro alto de um terreno vizinho à favela. Quando o cheiro fica
forte, os moradores ateiam fogo.
Mas a privação, se é um mal, assim como ele não é algo absoluto:
água e luz chegam de graça por
intermédio de redes clandestinas.
Privação no centro
Encontro dos rios Tamanduateí
e Tietê. Bom Retiro, zona central.
Uma quinta-feira cinza. A assistente social Cleide Leonel Amaro
Mendes, do Centro de Referência
Sé, aproveita a visita à favela do
Gato, classificada como área de alta privação, para procurar uma
moradora chamada Seara, que
andava gravemente doente.
Ao longo do caminho estreito,
entre barracos de madeira, ninguém sabia do paradeiro da mulher. "Tem muita rotatividade
aqui", comenta Cleide.
Alguns barracos têm um andar
superior. "É bom no caso de enchente", explica uma moradora.
O mau cheiro que vem do rio não
cessa e parece impregnar tudo.
As condições são insalubres.
Mas, ao contrário do que ocorre
na favela Bananal, há creche, escola e posto de saúde próximos. O
moradores pagam pela luz e pela
água. Inserção social tem preço.
Programas de renda atendem
parte das mais de 300 famílias.
Marta Soares Frederico, 51, viúva,
moradora do barraco 198-A, não
se entusiasma com o auxílio em
dinheiro. Quer ganhar por ela
mesma. Catadora, ela sonha em
se aperfeiçoar. Quer aprender a
fazer reciclagem de lixo. Marta de
Moraes, 54, do barraco 198, também é catadora. O seu desejo mais
premente é encontrar tratamento
para o companheiro, que tem
problemas com o álcool.
A prefeitura tem um projeto para a favela do Gato. A previsão de
entrega dos conjuntos habitacionais, em fase de licitação, é junho
de 2004.
(EDNEY CIELICI DIAS)
Texto Anterior: Desigualdade: SP esconde 400 mil superpobres Próximo Texto: Estudo orientará políticas públicas Índice
|