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DANUZA LEÃO
Pé no passado
Para quem começou a vida
muito cedo e continua curiosa e interessada nos caminhos
do mundo, as coisas às vezes ficam complicadas. É como ter um
pé fincado no presente mas também um outro lá atrás, no passado; viver assim é, no mínimo,
perturbador.
Esse pé no passado é nossa memória, que não nos deixa esquecer como eram os nossos pais, como eles viviam, o comportamento
que esperavam dos filhos -e das
filhas, sobretudo. Todo mundo
finge que acha tudo muito natural, mas os costumes estão mudando rápido, rápido demais, e a
gente se assusta.
O pé no passado lembra de coisas que não dá para acreditar: do
tempo em que as desquitadas
eram malvistas; do amigo que se
matou porque descobriram que
ele era gay; das duas mocinhas
-Carmem e Vivian- que frequentavam a mesma praia e
eram famosas por serem as únicas não-virgens do pedaço; da
grande ousadia que era uma moça trabalhar, quando o seu destino já estava traçado: estudar
francês e piano e casar.
Mas faz tanto tempo assim? Ok,
foi no século passado, mas ela
ainda se lembra bem. Lembra até
mesmo que havia médicos especialistas em reconstituir a virgindade para que as meninas pudessem se casar vestidas de branco
-dá para acreditar?
As moças eram proibidas de entrar no carro dos rapazes. É claro
que elas entravam, mas, quando
passavam pelos pontos mais estratégicos, se abaixavam para
não serem vistas, e eu juro que isso é verdade. Ju-ro.
As intimidades com os namorados eram levíssimas, e ficar de
mãos dadas no cinema era praticamente um compromisso. O primeiro beijo na boca era contado
com emoção à amiga mais íntima, e detalhe: era um beijo casto.
Alguns garotos tentavam passar a
mão nos seios das meninas (sempre no cinema, sessão das 8h), o
que era considerado, por elas
mesmas, grave. Grave, não:
gravíssimo.
Hoje, quando vê as campanhas
na televisão incentivando o uso
da camisinha no Carnaval, fica
grilada e morre de medo de ter
virado careta -logo ela, quem
diria.
Pois não foi justamente ela que,
empunhando a bandeira da liberação feminina, usou a saia mais
curta, a camiseta em cima da pele
e foi para a cama com quem quis,
na hora que achou melhor? E
agora vai dar uma de conservadora e dizer que o mundo está
perdido, que história é essa? Não,
não é o mundo que está perdido, é
ela que está perdida.
Mas lembra e tem certeza: era
diferente. Beber, fumar, experimentar maconha, dormir com
um homem, chegar em casa com
o sol nascendo era um posicionamento diante da vida. Não dá para negar que era divertido, mas
era um posicionamento -e sempre muito intenso.
Continua lembrando e pensa
que as mesmas coisas são feitas
hoje -o sexo, sobretudo-, mas
de maneira banal. É tão simples
levar o namorado para dormir no
quarto sob as bênçãos da família,
que não pode ter muita graça. E
alguma coisa fácil tem graça?
Convenhamos: existe alguma
coisa menos afrodisíaca do
que "usa camisinha, baby, usa
camisinha"?
Naqueles tempos, ir para a cama com um homem era importante, e havia sempre uma razão
forte -mesmo imaginada- para que isso acontecesse; às vezes se
fazia uma certa confusão entre
atração física e ideologia, mas era
assim o mundo em que se vivia.
Foram doces erros da juventude, e todos perfeitamente perdoáveis; afinal, quando se é muito jovem, não se pode saber tudo -e
ainda bem.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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