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NO ORIENTE
Diplomata aponta crescimento do envolvimento de nipo-brasileiros que vivem no Japão com ações criminosas
Jovem dekassegui vira caso de polícia
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
É Tóquio, mas parece São Paulo.
"Brasileira é sequestrada e algemada", grita a manchete do "International Press", um dos dois
jornais (semanais) escritos em
português e dedicados aos brasileiros residentes no Japão.
Ecoa o "Jornal Tudo Bem", o
outro semanário: "Menor atropela e mata japonês".
Em ambos os casos, o autor do
crime era dekassegui, a designação, já com carga pejorativa, dada
aos 266.962 brasileiros descendentes de japoneses registrados
nos consulados de Tóquio e Nagóia até o fim de 2001 (hoje, calcula-se que sejam 274 mil).
Dekassegui, originalmente, era
o termo para rotular moradores
das partes mais frias do Japão que
buscavam uma temperatura menos inclemente e, principalmente,
algum dinheiro trabalhando em
Tóquio para depois voltar às origens. Poderia ser livremente traduzido por "sair para faturar" (e,
depois, voltar, claro).
Os dekasseguis nipo-brasileiros
não fugiram do frio, mas das recorrentes crises econômicas no
Brasil e da falta de perspectivas.
A onda começou no fim dos
anos 80 e cresceu em 1990, com a
modificação da lei japonesa de
imigração, que concedeu o status
de "residentes por longo período"
para os nikkeis (descendentes de
japoneses). Com esse rótulo, podem trabalhar sem restrições.
O Japão estava no fim do que se
chamaria "bolha" de crescimento
econômico. Parecia o paraíso.
Até foi, para a maioria dos 400
mil dekasseguis, se computados
também os 140 mil que retornaram ao Brasil ao longo dos anos.
Mas paraíso algum na Terra é
perfeito. "Muita gente acha que a
solução para seus problemas está
no exterior, quando, na verdade,
ir para o exterior é o começo dos
problemas", diz o embaixador do
Brasil em Tóquio, Ivan Cannabrava, 35 anos de Itamaraty.
Tóquio também é São Paulo na
causa central que remete muitos
dekasseguis para o noticiário policial, quase todos jovens: é a falta
de preparo e, por extensão de
perspectivas, como ocorre na periferia das cidades brasileiras.
"As crianças com dificuldades
acabam abandonando a escola, o
que reflete diretamente na delinquência juvenil, que começa a
preocupar a todos", diz Masato
Ninomiya, professor da Faculdade de Direito da USP e presidente
do Centro de Informação e Apoio
ao Trabalhador no Exterior.
Calcula-se que de 10 mil a 15 mil
crianças abandonaram a escola,
número que ajuda a entender
porque 2/3 dos dekasseguis com
problemas policiais são jovens,
segundo a embaixada brasileira.
Sete deles tinham passagens pela Febem, o que torna inexplicável
como obtiveram o visto de entrada no Japão, em tese só concedido
após rigorosa triagem.
O divisor de águas parece estar
nos 10 anos. Quem chega ao Japão
com menos do que essa idade,
adapta-se mais facilmente. Mais
que isso já começa a causar problemas ao atingir a adolescência
sem formação e sem integração.
"Houve um aumento expressivo no número de brasileiros envolvidos em crimes no Japão",
testemunha Francisco Carvalho
Chagas, o diplomata responsável
pela atenção à comunidade brasileira na embaixada de Tóquio.
Foram brasileiros que inauguraram um delito quase raro no Japão: o furto de toca-fitas.
A diferença, fundamental, é que
todos os que saem do Brasil para o
Japão o fazem para escapar dos
problemas inerentes à vida em
um país turbulento economicamente, muito desigual socialmente e com poucas oportunidades.
"Se o Brasil voltar ao círculo virtuoso (econômico), os dekasseguis poderão voltar ao país de origem", torce Shigeaki Ueki, que foi
ministro de Minas e Energia no
governo Ernesto Geisel.
De fato poderão. O problema é
saber se querem ou não. Os sinais
indicam que não. Em janeiro, por
exemplo, aumentou o número de
brasileiros desembarcados no Japão. É aumento sazonal, mas, pelo menos no caso deles, desmente
o slogan do PT segundo o qual "a
esperança venceu o medo".
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