São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Faculdades dão "supletivo" para calouros

Instituições privadas tentam compensar deficiências dos estudantes oferecendo aulas básicas de português e matemática

"Eu via "braço" com s, "convicção" com x, "muito" com m no meio. Respostas não tinham pé nem cabeça", diz professor universitário

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Em matemática, os estudantes aprendem a fazer contas básicas com frações, porcentagens, proporções e regras de três. Em língua portuguesa, as lições são sobre os acentos, sobre o plural e a grafia correta das palavras.
Temas tão elementares como os listados acima, antes restritos à programação dos colégios, agora aparecem na grade curricular de faculdades e universidades particulares do país.
As instituições decidiram oferecer aulas de reforço depois de perceber que um número considerável de seus alunos sofre para acompanhar cursos de direito, letras, administração, engenharia. Mesmo tendo passado no vestibular e alcançado a educação superior, muitos deles estão despreparados. Às vezes, nem sequer dominam o bê-á-bá.
"Os alunos são cada vez mais limitados. Não conseguem seguir o curso, vão ficando para trás. Precisamos ajudá-los de alguma forma. Como um aluno de engenharia vai ser aprovado em cálculo se não sabe o básico do básico da matemática?", argumenta o professor Antonio Sylvio Vieira de Oliveira, que coordena as aulas de reforço de matemática da UnG (Universidade Guarulhos).
Na Grande São Paulo, também têm reforço os estudantes da Uniban (Universidade Bandeirante), da Uni Sant'Anna (Centro Universitário Sant'Anna) e da faculdade Alfacastelo. No Rio, a tendência é seguida por instituições como a UniverCidade (Centro Universitário da Cidade).
Os universitários com as maiores deficiências vieram das escolas públicas. A qualidade da rede de educação do governo é muito inferior à dos colégios particulares, como mostram as avaliações feitas regularmente pelo próprio Ministério da Educação.
Soma-se a isso o fato de parte das escolas públicas adotar a chamada progressão continuada. Por esse sistema, adotado pelas escolas do Estado e do município de São Paulo, as crianças e os adolescentes são aprovados automaticamente no fim do ano, mesmo que não tenham aprendido os conteúdos ensinados ao longo do ano.

Sem pé nem cabeça
Os professores universitários não ficam assustados com o nível dos calouros? "Eu não diria assustado, porque já estou acostumado com isso", responde o professor Yutaka Torritani, que dá aulas de matemática financeira no curso de administração de empresas da faculdade Alfacastelo, em Barueri (Grande São Paulo). "Mas fico pensativo, imaginando como está o sistema educacional lá atrás. Como pode uma pessoa chegar à universidade e não saber certas coisas?"
O professor da área de educação José Luís Simões, que hoje coordena os cursos de licenciatura da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), diz que não sente saudades dos três anos em que trabalhou em faculdades particulares de São Paulo. O sofrimento maior, de acordo com ele, era corrigir as provas escritas.
"Eu via "braço" escrito com s, "convicção" com x, "muito" com m no meio. Os caras emendavam "em frente" numa palavra só. De 20% a 30% das respostas não tinham pé nem cabeça. O aluno não sabe pôr uma idéia no papel. Eu começava a ler e pensava: "Meu Deus, o que eu vou fazer com ele?'", exemplifica Simões. "Claro que aqui, numa universidade federal, você também encontra coisas bizarras, mas é um percentual reduzido, porque o vestibular é mais rigoroso."

Revisão
Também precisam recorrer às aulas de reforço os estudantes mais velhos. São pessoas que decidiram cursar uma faculdade anos depois de terem terminado o ensino médio. É inevitável que os conteúdos escolares, mesmo os elementares, sejam apagados da memória com o tempo.
De acordo com dados do Ministério da Educação, 44% dos novos universitários têm mais de 25 anos de idade.
As aulas de reforço de português e matemática são, de maneira geral, gratuitas e oferecidas fora do horário das aulas regulares. Às vezes o aluno vai ao reforço por decisão própria, às vezes a pedido do professor, que não gosta de perder tempo de aula fazendo revisão de temas primários.
Em certos casos, como no curso de letras da Universidade Guarulhos, o reforço é obrigatório e vale nota no boletim. Para os estudantes dos demais cursos da instituição, as aulas extras são opcionais.
"Centramos no curso de letras porque é de lá que saem os futuros professores das nossas crianças", explica Mayra Elza Leffi, diretora do curso de letras da UnG. "Entende a gravidade? Não podemos continuar tendo professor com problema de ortografia."


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