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Faculdades dão "supletivo" para calouros
Instituições privadas tentam compensar deficiências dos estudantes oferecendo aulas básicas de português e matemática
"Eu via "braço" com s,
"convicção" com x, "muito"
com m no meio. Respostas
não tinham pé nem cabeça",
diz professor universitário
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Em matemática, os estudantes aprendem a fazer contas básicas com frações, porcentagens, proporções e regras de
três. Em língua portuguesa, as
lições são sobre os acentos, sobre o plural e a grafia correta
das palavras.
Temas tão elementares como os listados acima, antes restritos à programação dos colégios, agora aparecem na grade
curricular de faculdades e universidades particulares do país.
As instituições decidiram
oferecer aulas de reforço depois de perceber que um número considerável de seus alunos
sofre para acompanhar cursos
de direito, letras, administração, engenharia. Mesmo tendo
passado no vestibular e alcançado a educação superior, muitos deles estão despreparados.
Às vezes, nem sequer dominam
o bê-á-bá.
"Os alunos são cada vez mais
limitados. Não conseguem seguir o curso, vão ficando para
trás. Precisamos ajudá-los de
alguma forma. Como um aluno
de engenharia vai ser aprovado
em cálculo se não sabe o básico
do básico da matemática?", argumenta o professor Antonio
Sylvio Vieira de Oliveira, que
coordena as aulas de reforço de
matemática da UnG (Universidade Guarulhos).
Na Grande São Paulo, também têm reforço os estudantes
da Uniban (Universidade Bandeirante), da Uni Sant'Anna
(Centro Universitário Sant'Anna) e da faculdade Alfacastelo.
No Rio, a tendência é seguida
por instituições como a UniverCidade (Centro Universitário
da Cidade).
Os universitários com as
maiores deficiências vieram
das escolas públicas. A qualidade da rede de educação do governo é muito inferior à dos colégios particulares, como mostram as avaliações feitas regularmente pelo próprio Ministério da Educação.
Soma-se a isso o fato de parte
das escolas públicas adotar a
chamada progressão continuada. Por esse sistema, adotado
pelas escolas do Estado e do
município de São Paulo, as
crianças e os adolescentes são
aprovados automaticamente
no fim do ano, mesmo que não
tenham aprendido os conteúdos ensinados ao longo do ano.
Sem pé nem cabeça
Os professores universitários
não ficam assustados com o nível dos calouros? "Eu não diria
assustado, porque já estou
acostumado com isso", responde o professor Yutaka Torritani, que dá aulas de matemática
financeira no curso de administração de empresas da faculdade Alfacastelo, em Barueri
(Grande São Paulo). "Mas fico
pensativo, imaginando como
está o sistema educacional lá
atrás. Como pode uma pessoa
chegar à universidade e não saber certas coisas?"
O professor da área de educação José Luís Simões, que hoje
coordena os cursos de licenciatura da UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco), diz
que não sente saudades dos
três anos em que trabalhou em
faculdades particulares de São
Paulo. O sofrimento maior, de
acordo com ele, era corrigir as
provas escritas.
"Eu via "braço" escrito com s,
"convicção" com x, "muito" com
m no meio. Os caras emendavam "em frente" numa palavra
só. De 20% a 30% das respostas
não tinham pé nem cabeça. O
aluno não sabe pôr uma idéia
no papel. Eu começava a ler e
pensava: "Meu Deus, o que eu
vou fazer com ele?'", exemplifica Simões. "Claro que aqui, numa universidade federal, você
também encontra coisas bizarras, mas é um percentual reduzido, porque o vestibular é mais
rigoroso."
Revisão
Também precisam recorrer
às aulas de reforço os estudantes mais velhos. São pessoas
que decidiram cursar uma faculdade anos depois de terem
terminado o ensino médio. É
inevitável que os conteúdos escolares, mesmo os elementares, sejam apagados da memória com o tempo.
De acordo com dados do Ministério da Educação, 44% dos
novos universitários têm mais
de 25 anos de idade.
As aulas de reforço de português e matemática são, de maneira geral, gratuitas e oferecidas fora do horário das aulas regulares. Às vezes o aluno vai ao
reforço por decisão própria, às
vezes a pedido do professor,
que não gosta de perder tempo
de aula fazendo revisão de temas primários.
Em certos casos, como no
curso de letras da Universidade
Guarulhos, o reforço é obrigatório e vale nota no boletim. Para os estudantes dos demais
cursos da instituição, as aulas
extras são opcionais.
"Centramos no curso de letras porque é de lá que saem os
futuros professores das nossas
crianças", explica Mayra Elza
Leffi, diretora do curso de letras da UnG. "Entende a gravidade? Não podemos continuar
tendo professor com problema
de ortografia."
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