São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Em asilo modesto, idoso reclama da falta de sexo

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma placa branca com letras verdes indica a Clínica de Repouso Estância Cantareira, onde um portão de ferro separa Lalete do mundo. Lá, ela passa tardes sentada em um banco, com a bolsa a tiracolo, onde guarda o caderno de anotações com confissões de amor ao dono do lugar, mais registros de sua vida. "Escrevo o que sinto."
Há quase dez anos por lá, ela não pensa em sair. Como os seis irmãos, o marido e o filho morreram, Lázara Sampaio, 82, ficou sozinha. "Aí me puseram aqui." Mas não sente solidão. Antes, "ficava nesse banco escrevendo e chorando." Mas hoje passou e ela comemora a presença das colegas de quarto.
Como Lalete, outros cerca de 80 idosos se misturam com doentes mentais na clínica, que tem 55 funcionários para seus pacientes -segundo a dona, Cleide Mazzulli, 115 moradores, que pagam R$ 1.040 por um quarto para quatro pessoas. Passam o dia na sacada com uma revista velha na mão; vêem TV sem parar ou conversam ao ar livre. O resto dorme.
"O que mais pega é a falta da família, porque eles deixam o parente aqui e lavam as mãos", diz Mazzulli, acostumada às queixas dos moradores. Teve um caso, conta, que a família levou mais de 30 horas para providenciar o funeral. O corpo ficou esperando no necrotério da clínica. "E a maioria dá graças a Deus, porque é aquele valor a menos a pagar por mês."
Já Abelardo Queiroz, 72, fala convicto: "Estou aqui espontaneamente". Isso porque chegou ali para se recuperar de uma cirurgia, há um ano. "Mas aí os filhos diziam: "fica pai, aqui tem remédio, companhia". Fui ficando." No tempo ocioso, joga baralho, dominó, vê futebol. Nos fins-de-semana, vai ao baile, quando tem. "Falta de sexo a gente sente, porque aqui não dá, é tudo de olho aberto", diz. Mas diz não ter namorada. "A gente dá mais atenção pra uma ou outra, e só."
Ele só reclama mesmo de não poder sair do asilo. "Eles têm medo. Até pra ir no boteco comprar cigarro tem que ir acompanhado." É que, depois de cinco anos sem fumar, faz seis meses que voltou. É a família que traz os maços de Derby a cada visita. WILLIAN VIEIRA


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