São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Relatório aponta superlotação e falta de lazer em asilos

Segundo documento da OAB e do CFP, o Brasil não possui infra-estrutura mínima de abrigamento para população idosa

O documento foi feito a partir de inspeções em 22 Instituições de Longa Permanência para Idosos localizadas em 12 Estados

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

São 15h, e 20 idosos enfileirados em dois bancos de madeira aguardam a atividade do dia - ver um filme dublado na televisão, ao lado de um senhor que lê uma revista de três semanas atrás e de outros que dormem em cadeiras de rodas. A cena é comum em asilos superlotados do Brasil onde milhares de idosos ociosos "esperam pela morte", segundo o relatório da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CFP (Conselho Federal de Psicologia) obtido pela Folha.
"O Brasil não possui infra-estrutura mínima de abrigamento para sua população idosa", diz o documento, feito a partir de inspeções em 22 ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos), das quais 18 privadas, em 12 Estados. Dez foram tidas como superlotadas (quatro idosos por quarto), 11 não ofereciam lazer e 13 não tinham funcionários suficientes. Uma nem sequer tinha médico.
"Vimos depósitos de idosos abandonados, sem família ou contato com a comunidade", diz Ana Luiza Castro, coordenadora da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP. Ela diz que a "maioria dos asilos não está nas mãos do Estado" -dado confirmado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). "A estimativa é de que a maioria seja privada", diz o órgão, que está fazendo o levantamento dos asilos existentes no país". São 2.879 cadastrados até agora.
"Denúncias" motivaram a escolha dos asilos. Na Estância Cantareira, em São Paulo, a conselheira do Conselho Regional de Psicologia, Beatriz Belluzo, viu idosos misturados com casos psiquiátricos e a ausência de lazer. "Havia mesas em frente aos quartos que viviam à espera da refeição."
No Solar da Vivência, onde há somente idosos, "a situação é ainda mais precária", diz Belluzo. "Lá só dão comida e remédio e havia idosos dormindo em cadeiras de rodas. Não se investe em atividades de lazer. Todo o resto é perfumaria."
Em Pernambuco, a cena se repete. "A ociosidade é o que há de mais grave", diz a conselheira Christina Veras. "Eles ficam sem fazer nada, como restos de pessoas depositadas nas camas, sem oficinas e espaços para ler, pintar ou qualquer coisa que os ocupasse." No Residencial da Melhor Idade, Veras viu a dona colocar cadeiras na calçada em frente ao asilo, onde os idosos ficavam à espera de uma visita. "Nos outros, nem isso."
A dona da Estância Cantareira, Cleide Mazzuli, negou a superlotação e disse oferecer atividades de lazer, como "cinema com pipoca uma vez por semana e terapia ocupacional quase todo dia". No Residencial da Melhor Idade, a dona, Luciane do Monte, disse ter "um recreador terças e quintas, o máximo que se consegue pagar com a mensalidade de um salário mínimo". No Solar da Vivência, ninguém respondeu.
O relatório termina afirmando que o Estatuto do Idoso tem sido desrespeitado e recomenda ao Ministério Público a "instauração de procedimentos administrativos". Aprovado em 2003, o Estatuto garante ao idoso o direito ao lazer, à liberdade, à dignidade, a acomodações para recebimento de visitas e até assistência religiosa.
Em parte dos asilos, as queixas dos internos falam de falta de sexo (os quartos, coletivos, são divididos por gênero) e de falta de padres. No dia em que a Folha visitou o Estância Cantareira, um padre celebrava uma missa. "De tanto pedirem a gente trouxe um", diz a dona.


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