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Educadores divergem sobre aulas de reforço
Niskier diz que faculdade privada está interessada no dinheiro dos alunos, mesmo que sejam despreparados
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem é o culpado pela existência de estudantes que chegam ao ensino superior sem o
mínimo preparo intelectual?
Educadores concordam que as
deficiências têm origem na péssima qualidade dos colégios públicos do país, mas dizem que
uma parte dessa culpa precisa
ser jogada sobre as universidades e faculdades privadas.
"O cara passa na frente da faculdade e é laçado para dentro.
Para passar no vestibular, é só
assinar o cheque da primeira
mensalidade. A maioria das faculdades faz isso, sem se preocupar se ele sabe alguma coisa
ou não. O vestibular virou piada
de mau gosto. É por isso que
ninguém mais leva o ensino superior a sério", afirma Arnaldo
Niskier, que ocupa a cadeira
número 18 da ABL (Academia
Brasileira de Letras).
Na opinião de Niskier, não é
papel da universidade, com
suas aulas de reforço em português e matemática, consertar
as falhas do ensino básico. "A
mudança tem de ocorrer de
baixo para cima, e não contrário. Tem de começar pelas fundações. A universidade tem,
sim, de fazer uma seleção mais
cuidadosa", afirma ele. "Quem
ganhou com essa explosão de
alunos semi-analfabetos fazendo universidade? As pessoas
estão apenas ganhando dinheiro com o comércio da educação
superior."
Nos últimos anos, de fato, o
ensino superior privado no
Brasil passou por um boom.
Entre 2000 e 2006, o número
de instituições saltou de 1.004
para 2.022. O sistema privado
atualmente tem perto de 3,5
milhões de alunos matriculados em cursos presenciais. O
ensino superior público também cresceu no período, mas
em proporções mais modestas.
Com a extensa lista de instituições à disposição, os estudantes não têm dificuldade para encontrar mensalidades que
cabem no bolso.
Além disso, eles contam com
incentivos do governo federal
para entrar no ensino superior,
como as bolsas de estudo do
ProUni (Programa Universidade para Todos) e os "empréstimos" do Fies (Programa de Financiamento Estudantil).
Suplementação
O ex-secretário municipal de
Educação de São Paulo (1991-92, na gestão Luíza Erundina)
Mario Sergio Cortella diz que
as aulas de reforço, que ele chama de "suplementação vitamínica", são necessárias.
"Seria muito estranho se
uma faculdade ignorasse que
seus alunos têm uma lacuna de
formação", afirma ele. "Não é
uma questão meramente filantrópica. O aluno que não acompanha o curso acaba desistindo.
É um cliente a menos."
As universidades rebatem as
críticas. "Nós [se tornássemos
o vestibular mais difícil] estaríamos indo com a própria legislação brasileira, que prega a
inclusão. Não posso excluir o
aluno só porque não tem determinado conhecimento", afirma
Magali Nascimento de Paula,
que coordena as licenciaturas
da Uni Sant'Anna (Centro Universitário Sant'Anna), instituição de São Paulo.
"Se nós não dermos essas aulas [de reforço], o aluno deixa
de estudar. Não temos interesse em que ele pare. E tampouco
temos interesse em aprovar um
aluno sem condições, porque
chega o Enade [avaliação aplicada pelo Ministério da Educação] e é um desastre", acrescenta ainda Miriam Bevilacqua,
presidente do conselho de graduação da Uniban (Universidade Bandeirante), também de
São Paulo.
O Ministério da Educação
admite o duplo problema -escola pública fraca e faculdade
particular pouco exigente- e
diz que as aulas de reforço,
diante dessa realidade, "não
constituem em si um fato negativo grave".
"Cabe às instituições, se assim entenderem, caso o façam
com competência, criar condições para que os estudantes
consigam desenvolver conhecimentos, habilidades e competências específicas de um curso
superior", disse à Folha, por e-mail, o secretário nacional de
Educação Superior, Ronaldo
Mota.
(RW)
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