São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Tenente do Bope é líder em favela no Rio

Agente preside associação de moradores após prisão de milicianos; em outra favela, major da PM é "prefeito" informal

Policial do Bope vive há 28 anos em favela onde jornalistas de "O Dia" foram torturados, diz agir de modo "legal e transparente"

Rafael Andrade/Folha Imagem
Wolnei Francisco de Paula, do Bope, observa a favela Jardim Batam, na zona oeste do Rio


ITALO NOGUEIRA
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

Com o apoio da Secretaria de Segurança, um tenente do Bope (Batalhão de Operações Especiais) assumiu há um mês a presidência da associação de moradores da favela Jardim Batam, na zona oeste do Rio, dominada por uma milícia até o início de junho.
Por 28 anos, o tenente Wolney Francisco de Paula, 56, conviveu com traficantes e milicianos em sua vizinhança. Agora, tem como objetivo "organizar" a vida na favela e evitar a volta de criminosos. O modelo é a favela Tavares Bastos (zona sul), onde está instalada a sede do Bope desde 2000.
Lá, o major Vargas é o "prefeito" informal. Diz que "trouxe o "Estado" para a comunidade". Antes do batalhão, o prédio do Bope era um esqueleto que servia para desmanche de carros, endolação de drogas [embalo dos papelotes para venda] e reunião de traficantes do Comando Vermelho, conta.
Vargas diz que busca investimentos e cursos, promove festas, cobra dos moradores que tenham relógio de energia em casa e paguem luz, estabelece horário de silêncio e vai até a formaturas. "Faço cumprir a lei. Aqui não tem jogo do bicho, máquinas [caça-níqueis], usuários de drogas", explica.
Atualmente, quatro PMs do Bope (dois sargentos, um cabo e um soldado) moram na favela, que serviu de cenário do filme "O Incrível Hulk", no ano passado e de novela da TV Record "Vidas Opostas". Tudo foi negociado pelo major, que exige uso da mão-de-obra e consumo no comércio locais.

Embrião
No entanto o cargo de "líder comunitário", ocupado por policiais, também é embrião de milícias hoje espalhadas pelo Rio. Inicialmente oferecendo "segurança", eles criaram tribunal próprio para "julgar" delitos onde atuam.
Wolney diz que não se tornará mais um chefe de milícia. "Vou agir dentro da legalidade, com transparência. Tenho compromisso com o Estado, a PM e a Secretaria de Segurança". Vargas também nega ter qualquer benefício de sua atividade na Tavares Bastos.
É de forma "legal e transparente" que o tenente Wolney inicia a cobrança de taxa de R$ 5 para moradores e R$ 10 para comerciantes. "Ninguém será extorquido. Eles sabem que esse dinheiro vai se reverter em benefícios." A cobrança é legal, desde que não seja obrigatória.
Wolney foi eleito 20 dias depois da divulgação de que dois jornalistas e um motorista do jornal "O Dia" foram torturados na favela. Duas semanas depois, conseguiu junto ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, um Posto de Policiamento Comunitário para a favela. Segundo Wolney, a tortura sofrida pelos jornalistas foi uma "surpresa".
O PPC foi instalado no primeiro andar do prédio da associação, que está no segundo pavimento. A maioria dos policiais que trabalham lá são moradores ou têm parentes na favela. Quatro PMs patrulham o local, com cerca de 35 mil moradores, segundo a associação, e 1.840, em 2000, segundo o Censo do IBGE.
Wolney diz não andar armado na favela. A Folha não viu homens patrulhando a área que não sejam os policiais do PPC. "Aqui, primeiro sou presidente da associação e depois um policial. Mas, se houver algum flagrante, posso atuar. Se não, vou pedir apoio à PM ou a Polícia Civil".
Na favela, major Vargas diz coibir crimes com o apoio de moradores. Um ladrão de carros foi preso, pelo major. "Dou dois dias para me "darem" [entregarem] o cara. Foi preso".
O ex-presidente da Federação de Favelas do Rio, Rossini Diniz, afirma que o caso é "estranho" e "surpreendente". Ele acompanhou a eleição de Wolney. "Ele é policial e nunca se pronunciou sobre os problemas na comunidade."


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