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Tenente do Bope é líder em favela no Rio
Agente preside associação de moradores após prisão de milicianos; em outra favela, major da PM é "prefeito" informal
Policial do Bope vive há 28 anos em favela onde jornalistas de "O Dia" foram torturados, diz agir de modo "legal e transparente"
Rafael Andrade/Folha Imagem
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Wolnei Francisco de Paula, do Bope, observa a favela Jardim Batam, na zona oeste do Rio |
ITALO NOGUEIRA
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
Com o apoio da Secretaria de
Segurança, um tenente do Bope (Batalhão de Operações Especiais) assumiu há um mês a
presidência da associação de
moradores da favela Jardim
Batam, na zona oeste do Rio,
dominada por uma milícia até o
início de junho.
Por 28 anos, o tenente Wolney Francisco de Paula, 56,
conviveu com traficantes e milicianos em sua vizinhança.
Agora, tem como objetivo "organizar" a vida na favela e evitar
a volta de criminosos. O modelo é a favela Tavares Bastos (zona sul), onde está instalada a sede do Bope desde 2000.
Lá, o major Vargas é o "prefeito" informal. Diz que "trouxe
o "Estado" para a comunidade".
Antes do batalhão, o prédio do
Bope era um esqueleto que servia para desmanche de carros,
endolação de drogas [embalo
dos papelotes para venda] e
reunião de traficantes do Comando Vermelho, conta.
Vargas diz que busca investimentos e cursos, promove festas, cobra dos moradores que
tenham relógio de energia em
casa e paguem luz, estabelece
horário de silêncio e vai até a
formaturas. "Faço cumprir a
lei. Aqui não tem jogo do bicho,
máquinas [caça-níqueis], usuários de drogas", explica.
Atualmente, quatro PMs do
Bope (dois sargentos, um cabo
e um soldado) moram na favela,
que serviu de cenário do filme
"O Incrível Hulk", no ano passado e de novela da TV Record
"Vidas Opostas". Tudo foi negociado pelo major, que exige
uso da mão-de-obra e consumo
no comércio locais.
Embrião
No entanto o cargo de "líder
comunitário", ocupado por policiais, também é embrião de
milícias hoje espalhadas pelo
Rio. Inicialmente oferecendo
"segurança", eles criaram tribunal próprio para "julgar" delitos onde atuam.
Wolney diz que não se tornará mais um chefe de milícia.
"Vou agir dentro da legalidade,
com transparência. Tenho
compromisso com o Estado, a
PM e a Secretaria de Segurança". Vargas também nega ter
qualquer benefício de sua atividade na Tavares Bastos.
É de forma "legal e transparente" que o tenente Wolney
inicia a cobrança de taxa de R$
5 para moradores e R$ 10 para
comerciantes. "Ninguém será
extorquido. Eles sabem que esse dinheiro vai se reverter em
benefícios." A cobrança é legal,
desde que não seja obrigatória.
Wolney foi eleito 20 dias depois da divulgação de que dois
jornalistas e um motorista do
jornal "O Dia" foram torturados na favela. Duas semanas
depois, conseguiu junto ao secretário de Segurança, José
Mariano Beltrame, um Posto
de Policiamento Comunitário
para a favela. Segundo Wolney,
a tortura sofrida pelos jornalistas foi uma "surpresa".
O PPC foi instalado no primeiro andar do prédio da associação, que está no segundo pavimento. A maioria dos policiais que trabalham lá são moradores ou têm parentes na favela. Quatro PMs patrulham o
local, com cerca de 35 mil moradores, segundo a associação,
e 1.840, em 2000, segundo o
Censo do IBGE.
Wolney diz não andar armado na favela. A Folha não viu
homens patrulhando a área
que não sejam os policiais do
PPC. "Aqui, primeiro sou presidente da associação e depois
um policial. Mas, se houver algum flagrante, posso atuar. Se
não, vou pedir apoio à PM ou a
Polícia Civil".
Na favela, major Vargas diz
coibir crimes com o apoio de
moradores. Um ladrão de carros foi preso, pelo major. "Dou
dois dias para me "darem" [entregarem] o cara. Foi preso".
O ex-presidente da Federação de Favelas do Rio, Rossini
Diniz, afirma que o caso é "estranho" e "surpreendente". Ele
acompanhou a eleição de Wolney. "Ele é policial e nunca se
pronunciou sobre os problemas na comunidade."
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