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Queda de preconceito não reduz rejeição de crianças adotadas
Candidatos a pais estão menos exigentes, mas devolução ainda é comum; para psicólogos, falta preparo para adotar
Devolução é crime quando acontece após período estipulado pela Justiça; em Itaquera, uma criança foi devolvida oito anos depois
CÍNTIA ACAYABA
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA
Apesar de o número de adoções no Estado de São Paulo ter
aumentado e a restrição dos
pais adotivos a características
das crianças ter diminuído, um
fator ainda preocupa especialistas da área: a devolução.
Não há dados disponíveis sobre a prática -que, após a fase
de convivência ou estágio determinada pelo juiz, é considerada crime de abandono.
Levantamento feito pela Folha em Varas da Infância e da
Juventude da capital mostra,
no entanto, que devoluções não
são incomuns. Em Itaquera
(zona leste), por exemplo, ocorreram oito casos nos últimos
dois anos -dois deles depois de
deferida a sentença de adoção.
Na Vara de Santo Amaro (zona sul), foram dois casos apenas em 2007; em Pinheiros (zona oeste), outros dois. No Tatuapé (zona leste), uma criança
foi devolvida duas vezes.
Por outro lado, o preconceito
na hora de adotar diminuiu, segundo pesquisa da Comissão
Estadual Judiciária de Adoção
Internacional de São Paulo.
Caiu de 49% para 31% do número de pretendentes que exigiam que a criança fosse branca, entre 2005 e 2007. No período, cresceu de 21% para 28%
o número de pessoas para
quem a cor é indiferente.
"As devoluções ocorrem porque os pais sonham com algumas coisas que não se efetivam.
É o mesmo com casamentos e
namoros. Eles acham que vai
dar certo, mas depois não estão
preparados", diz o juiz Reinaldo Cintra, da Coordenadoria da
Infância e Juventude do Tribunal de Justiça.
Para assistentes sociais ouvidos pela reportagem, a maioria
dos casos ocorre na transição
para a adolescência. Em um dos
casos em Itaquera, a mãe adotiva resolveu, após oito anos, devolver o menino, já com 12
anos. Em outro caso na zona
leste, a Justiça determinou que
a mãe pagasse pensão ao filho
após a devolução.
Falta de preparo
Para a psicóloga Lídia Weber,
da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a falta de curso
preparatório para pessoas que
pretendem adotar explica essas
atitudes. "Em países de primeiro mundo, é obrigatório passar
por cursos de seis meses a um
ano ou mais. No Brasil, isso praticamente inexiste."
Segundo ela, houve um caso
de uma menina que foi adotada
por um casal do Rio de Janeiro
e devolvida após os dois descobrirem que ela tinha HIV.
Maria Antonieta Motta,
coordenadora do Gaasp (Grupo
de Apoio à Adoção de São Paulo), diz que, com o trabalho dos
grupos de apoio, formados por
pais adotivos, pretendentes e
especialistas para discutir
questões da adoção, os pais adquirem uma consciência maior.
"O problema é que a grande
maioria não participa."
A psicanalista Maria Luiza
Ghirardi, da USP, acaba de defender dissertação de mestrado
em que aponta fatores de risco
para devolução de crianças
após a adoção, como quando o
ato é movido por altruísmo. Diz
que é importante analisar os
candidatos, para identificação
de algo que possa atrapalhar o
processo no futuro.
Em 2006, foram feitas 4.144
adoções no Estado; em 2007, o
número saltou para 4.695. Nos
primeiros seis meses deste ano,
houve 2.455 adoções.
De acordo com Cintra, a adoção é um ato irrevogável. Por isso, diz, a devolução só pode
ocorrer no estágio de convivência quando a criança é entregue
ainda sob guarda.
"Nesse intervalo, a equipe
técnica faz visitas para ver como estão os vínculos afetivos
entre a criança e os pretendentes. Se a coisa está transcorrendo de forma natural, o juiz dá a
sentença de adoção. Aí tem que
ser para sempre."
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