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GILBERTO DIMENSTEIN
Duda, o galo e o bode
No dia 25 de julho, bem antes
do início do horário eleitoral, Duda Mendonça me disse,
numa conversa informal, regada
a caldo de sururu, cerveja e vinho
branco, como faria Marta Suplicy
vencer as eleições.
Falava animadamente sobre
seus planos e esbanjava otimismo
com base nas pesquisas qualitativas que lhe chegavam às mãos.
Seus argumentos faziam sentido.
Ele partia do princípio de que
Marta Suplicy dispunha de um
elenco de obras sociais de impacto, como os CEUs, o bilhete único,
os corredores exclusivos de ônibus, os programas de renda mínima. Todas essas imagens, devidamente trabalhadas até o final de
outubro, iriam melhorar a avaliação da administração do PT.
Naturalmente, cresceria a tendência de aproximação entre o
desempenho do governo e o prestígio da prefeita.
Restava-lhe melhorar a imagem pessoal de Marta Suplicy,
apontada nas pesquisas como arrogante e antipática. Isso lhe parecia a tarefa mais fácil: afinal, tinha conseguido suavizar Maluf e
Lula, gerando alguns dos mais
importantes casos de marketing
político da história do Brasil.
Sabia que a disputa não seria
fácil. Estava convencido, porém,
de que, semana após semana,
Marta Suplicy iria crescer, montada em suas realizações e na
promessa de avanços. Além disso,
ele dispunha de informações de
que, no segundo semestre, a economia iria melhorar e gerar mais
empregos. O fator nacional, apostava ele, poderia não ajudar, mas
não atrapalharia.
Duda comentou que sair batendo não funcionaria. "Eu já fiz
muitas campanhas e aprendi o
seguinte: quem bate perde. O eleitor quer sonho."
Ao final da conversa, insinuou
que, se não fosse para pregar uma
agenda positiva, acabaria se desinteressando da campanha e "ligaria o automático". "Lavo as
mãos e pronto."
O otimismo logo se desfez. Já no
final do primeiro turno, o publicitário candidatava-se a bode expiatório e, aos poucos, ia acionando o "automático".
Estava marginalizado antes das
pesquisas divulgadas na quinta-feira passada, que indicavam o
favoritismo de Serra. O desfecho,
trágico, foi a sua prisão em flagrante por causa da briga de galo.
Duda não conseguiu suavizar a
imagem da prefeita, cuja taxa de
rejeição cresceu e, preso, via sua
própria imagem sucumbir. Quem
melhor, nesse momento, para levar toda a culpa?
É compreensível responsabilizá-lo por uma parte da eventual derrota de prefeita -afinal, coordenou o marketing-, mas transformá-lo em bode expiatório é um
equívoco, uma conseqüência da
desinformação.
Marta cometeu um primeiro erro (e esse pode ser creditado a Duda) ao inventar o tal CEU Saúde.
Lidas as pesquisas, chegaram à
conclusão de que a saúde era o
ponto vulnerável da administração. Não calcularam que, ao
guindarem a saúde à posição de
principal tema da eleição, estariam ajudando Serra, que, afinal,
tem uma imagem positiva associada ao tema por ter sido ministro da Saúde.
A insegurança da cúpula da
campanha, a começar de Luis Favre, fez com que desconfiassem da
estratégia positiva de Duda. Chegaram a ter medo de que Serra
pudesse vencer no primeiro turno.
Optou-se pela agressividade e Duda viu-se rendido, mas acatou as
orientações. Chegou a discutir se
deveria renunciar, temeu o impacto e voltou atrás. Preferiu "ligar o automático", que o estimulou a viajar, em uma semana decisiva, ao Rio de Janeiro e divertir-se em uma briga de galo.
A imagem da prefeitura melhorou devido à exposição no horário eleitoral. Em muitos lugares,
os 48% de ótimo e bom conferidos
à administração seriam suficientes para fazer um candidato se
eleger no primeiro turno.
Mas a agressividade de Marta
reforçou a impressão de quem a
acha arrogante e antipática; as
taxas de rejeição mantiveram-se
altas. À medida que Serra subia, a
pancadaria aumentava, gerando
um círculo vicioso.
Nessa onda, fez-se de Celso Pitta
um antieleitor para atingir Gilberto Kassab, seu antigo auxiliar,
e respingar em Serra. Como Maluf e Duda estão associados a
Marta, fazer de Celso Pitta, que só
virou prefeito por causa daquela
dupla, um antieleitor seria dar
um tiro no pé. E Duda sabia disso.
A essa altura, porém, o tom era
dado por Favre.
Talvez se a estratégia inicial de
Duda tivesse sido mantida, o PT
também tivesse dificuldades. Afinal, a dupla Serra-Alckmin demonstra sólida articulação e a cidade está se mostrando mais
aberta ao discurso do PSDB.
A questão central dessa eleição
é óbvia: esteve em julgamento
menos o governo de Marta do que
a sua imagem pessoal. Ridículo
achar que Duda é o maior responsável por esse julgamento.
Sempre há chance de virada, é
claro; muita gente deu extraordinárias guinadas na reta final.
Mas, neste momento, a virada é
tão provável como a previsão, no
início da campanha, de que Duda, o gênio da eleição de Lula, seria afastado da campanha por
causa de uma briga de galo.
PS - Um dos avanços dessa campanha foi a desconstrução dos jogos de marketing, resultado do
aprendizado dos eleitores. Nesta
última semana, o PT e o PSDB,
tentando desmoralizar os truques
exibidos no horário eleitoral, estão prestando, pelos piores motivos, um bom serviço à politização. Depois de Collor, Pitta e Maluf, entre outros casos, o brasileiro
está mais bem alfabetizado em
marketing. Algo há que aprender
do fato de que, nesta eleição, um
marqueteiro saiu com a pior imagem e um presidente da República foi multado pela Justiça Eleitoral por desobediência à lei.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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