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Na Argentina, militar cria filho de desaparecido
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Na Argentina, o regime militar
(1976-83) deixou uma herança
particularmente dolorosa no
campo das relações familiares.
Crianças foram adotadas por militares após terem seus pais mortos pelo governo.
O tema é tão delicado que a associação Madres de la Plaza de
Mayo, principal grupo de direitos
humanos que trata do período ditatorial na Argentina, prefere não
interferir quando tem conhecimento de um caso desses.
""Sabemos de meninos que viveram com famílias adotivas, de militares, após seus pais terem desaparecido. Não é fácil alguém descobrir que não é filho de quem
pensava ser e, além disso, que os
pais adotivos assassinaram seus
verdadeiros pais. Hoje, esses filhos são adultos e devem saber o
que fazem. Procuramos não interferir. As reações são dispersas,
variáveis", declarou à Agência Folha a secretária das Madres de la
Plaza de Mayo, Evel Petrini.
Compreensão
"Com os meninos que quiseram
rever sua história ou que foram levados para seus avós e trataram
de lutar ao nosso lado por um
mundo melhor, repetindo o que
seus pais assassinados haviam feito, damos todo o apoio."
Em relação a quem quis ficar
com os pais adotivos, as Madres
de la Plaza de Mayo mostram
compreensão pela escolha.
""Há crianças que não quiseram
suas famílias verdadeiras, que disseram estar bem. Há até quem se
recuse a fazer testes de DNA. Não
pode haver imposições. A história
por si só já é um trauma muito
grande", diz Evel Petrini.
""Tudo é muito delicado. Nós
nunca quisemos, por exemplo,
qualquer tipo de reparação econômica pelo que ocorreu a nós e a
nossos filhos. Vida vale vida, de
nada adianta darem dinheiro como compensação."
Emiliano Huervalino, 24, é caso
típico em um universo de mais de
500 crianças argentinas que tiveram de recomeçar a vida a partir
de um trauma relacionado às suas
origens. Ele foi o primeiro bebê
nascido na Esma (Escola de Mecânica da Marinha) a ser devolvido para a família de pais desaparecidos durante a ""guerra suja".
Apenas cem desse total vivem
com suas famílias naturais.
Os pais de Emiliano, Oscar Lautaro Huervalino, 22, e Mirtha Monica Alonzo, 23, grávida de seis
meses, foram dois dos 30 mil desaparecidos argentinos.
""Eu sinto asco quando vejo um
militar uniformizado", diz Emiliano Huervalino.
Ele integra o MAS (Movimento
ao Socialismo) e o grupo Hijos (filhos, em espanhol), palavra formada pelas iniciais de Hijos por la
Identidad y la Justicia y contra el
Olvido y el Silencio (filhos pela
identidade e a justiça e contra o
esquecimento e o silêncio). Sua
terapia é conviver com os companheiros de trauma, como quem se
entende ""só pelo olhar". Ao ser levado para uma psicóloga aos 8
anos, não se adaptou e parou na
segunda sessão.
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