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GILBERTO DIMENSTEIN
O Brasil do Dr. Lula
Os brasileiros que já se
aproximam da fronteira da
chamada "terceira idade" são
uma das principais novidades sociais do país.
Segundo o Censo do Ensino Superior, divulgado na semana passada, proporcionalmente, nenhum segmento expandiu-se tanto, nas faculdades, como os estudantes com mais de 50 anos de
idade -a faixa etária do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva.
São trabalhadores que, teoricamente, poderiam estar pensando
em vestir o pijama, mas decidiram voltar para a sala de aula,
perder noites e finais de semana,
gastar dinheiro para pagar mensalidades e sentar, em igualdade
de condições, com jovens que poderiam ser seus filhos.
É uma situação que, tempos
atrás, seria vista como humilhante, mas hoje é sinal de modernidade e, mais, motivo de orgulho.
Em nosso imaginário, a diferença
de idade, mesmo de um ano, numa sala de aula, indica o vexame
da repetência.
Entre 2000 e 2001, as matrículas
daqueles com mais de 50 anos
cresceram 23%. Na faixa dos que
têm de 40 a 49 anos de idade, a
tendência também é visível: o aumento foi de 22%. Média nacional no período: 17%. Um país que
fez a opção presidencial por Lula,
um político com baixa escolaridade formal, depositando nele a esperança da redenção social, cultiva a febre do diploma universitário, como um mecanismo de redenção individual -a tal ponto
que os mais velhos voltam para a
faculdade e assiste-se, no geral, ao
crescimento de matrículas jamais
visto, várias vezes maior do que o
aumento da população. Temos
hoje 3 milhões de universitários;
pouco em termos absolutos, muito na velocidade da expansão.
Provavelmente por causa dessa
tendência, somada aos preconceitos, o reitor da Universidade Federal de Pernambuco, Mozart
Neves, informou a Lula, na sexta-feira passada, que ele receberia o
título de doutor honoris causa por
aquela universidade; uma homenagem que já tinha sido anunciada pela Universidade Federal da
Bahia.
A aposta do eleitorado em Lula
é aposta -assim como da universidade que vai dar-lhe o título-
no notório saber, a ser testado,
obviamente, a partir de janeiro.
O censo revela como se populariza a idéia de que, sem o canudo,
as perspectivas profissionais são
limitadas. Nos últimos oito anos,
dobrou o número de universitários que frequentam cursos noturnos; eram 711 mil em 1995, agora
são 1,4 milhão.
Isso se deve, basicamente, às
instituições privadas, onde a
maioria de seus estudantes
(70%) trabalha de manhã e frequenta as aulas à noite -e vive
fazendo contas para pagar as
mensalidades.
O fato: a ampliação do acesso
ao ensino superior só ocorre devido às faculdades privadas. O aumento no número de matrículas
nas federais, de 2000 a 2001, foi de
apenas 4%, bem abaixo da média
nacional de 16%. Nasce aí a tentação da política de cotas nas universidades públicas para os mais
pobres e negros, fácil de prometer,
difícil de realizar sem virar uma
asneira educativa.
Um estudo do IBGE sobre o
perfil do mercado de trabalho
brasileiro, também divulgado na
semana passada, explica a febre
do canudo, revela as mudanças
estruturais do país e expõe ainda
mais ao ridículo o discurso desinformado de que o Brasil não mudou socialmente.
Abrangendo o período de 1990 a
2002, o estudo informa que as
pessoas mais velhas, dos 40 aos 59
anos, ganharam espaço no mercado de trabalho. É o mesmo segmento que avançou nas universidades. Os trabalhadores desse
grupo ocupavam, em 1990, 27%
dos empregos e pularam para
36%. Embora mais tímidas, boas
notícias também para quem já
passou dos 60 anos: no período, a
posição saltou de 3,8% para 4,4%.
Cruzando-se as duas pesquisas
(Censo do Ensino Superior e IBGE), vemos o seguinte: como o
mercado pede trabalhadores
mais bem educados e experientes,
os mais velhos são beneficiados.
Sentem-se seduzidos a estudar,
num ciclo que vai alterando o patamar das exigências e expectativas de quem emprega.
Tais pessoas investiram duro na
sua formação, trabalhando de
dia e estudando à noite, cultivando ainda maiores expectativas
-esse é o Brasil, mais crítico e
exigente, do Dr. Lula.
Essa esperança deveria dar medo em Lula -daí vão surgir talvez as maiores pressões.
P.S. - Para entender a violência
no Brasil, basta ler a pesquisa do
IBGE. A participação dos jovens
de 15 a 17 anos no mercado de
trabalho, naquele período, caiu
de 4,8% para 1,8%. Os que não
têm instrução diminuíram de
6,8% para 2,7%. Juntem-se menos empregos para jovens e ainda
menos vagas para quem não têm
escolaridade para nascer o risco
da delinquência.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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